Primeira fase de projeto europeu que pretende combater o diálogo político e social extremista arranca em Portugal

O OppAttune pretende compreender e desenvolver estratégias para contrariar o surgimento de narrativas, práticas e comportamentos extremistas e vai envolver diversos públicos em vários países.

CR
Catarina Ribeiro
25 setembro, 2023≈ 8 mins de leitura

A equipa do projeto OppAttune.

© Panteion University

No próximo mês, vai arrancar em Portugal a primeira fase de investigação do OppAttune – Countering Oppositional Political Extremism through Attuned Dialogue: Track, Attune, Limit, financiado com 3,1 milhões de euros pela Comissão Europeia, através do programa Horizonte Europa, que pretende compreender e desenvolver estratégias para contrariar o surgimento de narrativas, práticas e comportamentos extremistas.

Com a missão de contribuir para o debate democrático mais produtivo e limitar o desenvolvimento de narrativas extremas, o OppAttune vai estar em curso até 2026. Vai envolver diversos públicos: jovens entre os 18 e os 24 anos e cidadãos de outras faixas etárias, influenciadores digitais, decisores políticos, atores políticos locais e nacionais, e investigadores. Pretende apoiar os cidadãos em três principais domínios: na avaliação da sua própria suscetibilidade ao extremismo político; na análise da sua capacidade de sintonização com outras posições; e na avaliação da sua capacidade de manter o diálogo em situações altamente polarizadas.

Em Portugal, o trabalho de campo vai ser desenvolvido durante dois anos. A primeira fase arranca no início de outubro e “consiste na aplicação de métodos etnográficos para investigar os motores antropológicos do extremismo no nível quotidiano, trazendo uma perspetiva inovadora que aborda a génese de sentimentos antidemocráticos”, explica a coordenadora do projeto em Portugal, Joana Ricarte. A segunda fase, que vai decorrer entre junho de 2024 e setembro de 2025, vai contemplar a utilização de ferramentas de investigação-ação participativas – como autoetnografia e memória colaborativa, trabalho de grupo narrativo, diários digitais e teatro fórum – que vão permitir intensificar a relação dos participantes com a investigação.

A equipa portuguesa vai explorar a emergência de narrativas, visões de mundo e condições históricas, locais e nacionais, que promovem pensamentos que podem resvalar para o extremismo violento. “Ao lidar com uma perspetiva não-episódica, mas, sim, quotidiana, pretendemos identificar a raiz de discursos e práticas normalizadoras e legitimadoras do que, em casos extremos e institucionalizados, passa a ser classificado pela grande media, pelos decisores políticos e pela sociedade como extremismo político violento”, contextualiza a também investigadora do Centro de Estudos Interdisciplinares (CEIS20) da Universidade de Coimbra (UC).

O OppAttune reúne 17 parceiros, oriundos de 14 países, que vão conduzir uma análise profunda sobre a evolução e o crescimento do extremismo político no quotidiano em vários países, com o objetivo de desenvolver ferramentas que possam ser utilizadas pelas pessoas.

Esta primeira fase da pesquisa empírica, que decorre até maio de 2024, vai dedicar-se ao nível comunitário, “através da participação de voluntários (cidadãos nacionais e/ou imigrantes com idades acima dos 18 anos) residentes em localidades selecionadas pela equipa do projeto com base em critérios como alterações profundas em padrões de resultados eleitorais; peso e relevância de comunidades de imigrantes, minorias sociais e populações marginalizadas; contextos urbanos nos quais processos de gentrificação estão a ter lugar e outros critérios desenvolvidos com base num estudo dos discursos mobilizadores de narrativas extremistas no contexto político nacional”, avança Joana Ricarte.

O trabalho junto da comunidade residente em Portugal pretende, assim, “contribuir para um melhor entendimento de como se desenvolvem certas narrativas que, isoladamente, não correspondem a comportamentos extremistas, mas que no conjunto têm o potencial de se tornarem tão normalizadas e legitimadas, por exemplo, pela sua reprodução por atores políticos em posição de poder, que passam para o senso comum”, sublinha a investigadora. Neste sentido, “acabam por contribuir para a deterioração das democracias e, em última instância, podem mesmo levar a alterações políticas violentas tão profundas que resvalam em ruturas democráticas e institucionalização de estruturas populistas, autoritárias e discriminatórias”, acrescenta.

"Portugal sempre foi descrito como uma espécie de oásis, mas tem havido uma virada muito rápida, traduzida em resultados eleitorais nos últimos sufrágios ao nível nacional, que está a colocar de forma institucionalizada nas instâncias de poder discursos, práticas e projetos políticos que são assumidamente de base exclusionária”, contextualiza Joana Ricarte. “Estes resultados contradizem, uma vez mais, o argumento de que Portugal seria imune à tendência de crescimento de partidos antissistema e à difusão de ideologias extremistas. Tendo em conta que o crescimento e estabelecimento de movimentos políticos extremistas na Europa constitui atualmente um desafio às democracias europeias e ao processo de integração europeu, é necessário estudar as motivações que sustentam e os mecanismos que facilitam a difusão do extremismo. O projeto é ainda mais relevante no contexto das próximas eleições para o Parlamento Europeu, durante as quais estaremos já em condições de iniciar testes-piloto de implementação das ferramentas de sintonização do diálogo social e político que estão a ser desenvolvidas”, sublinha.

O consórcio é liderado pela The Open University (Reino Unido), sendo coordenado em Portugal pela Universidade de Coimbra, através do CEIS20 e do Instituto de Investigação Interdisciplinar. Os 17 parceiros, oriundos de 14 países, vão conduzir uma análise profunda sobre a evolução e o crescimento do extremismo político no quotidiano em vários países, com o objetivo de desenvolver ferramentas que possam ser utilizadas pelas pessoas. Em 2025, vai ser lançada a ferramenta I-Attune, um autoteste online gratuito que pretende ajudar cidadãos de todo o mundo a envolverem-se ativamente na política sem recorrer a extremos políticos.

A coordenadora científica do projeto, Kesi Mahendran, defende que “sem as competências necessárias para navegar em situações políticas, os políticos e as pessoas presentes nos meios de comunicação social podem facilmente mobilizar outras pessoas”. “A esperança é que o OppAttune dê às pessoas as ferramentas para manterem as suas conversas políticas sem se tornarem tão extremistas”, acrescenta a também psicóloga política e docente da The Open University.

Integram ainda o OppAttune a Panteion University (Grécia), coordenadora administrativa do projeto; a Glasgow Caledonian University (Reino Unido); a American University in Paris (França); a Malmö University (Suécia); a Cultures Interactive (Alemanha); a Oesterreichische Akademie Der Wissenschaften (Áustria); a Universita Ta Malta (Malta); a Özyeğin University (Turquia); a Istanbul Bilgi Universitesi (Turquia); a University of Cyprus (Chipre); o Institut Jozef Stefan (Eslovénia); o International Security Affairs Centre (Sérvia); o Kosovar Centre for Security Studies (Kosovo); a Hammurabi Human Rights Organization (Iraque) e o PRONI Center (Bósnia-Herzegovina).

O website do projeto é lançado hoje. Disponível em www.oppattune.eu, vai ser um espaço digital destinado à partilha de atualizações sobre a evolução do OppAttune, assim como à divulgação de conceitos relevantes para o entendimento da importância do diálogo democrático e de fenómenos extremistas. Os contributos do projeto vão ser também divulgados nas redes sociais.