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Livros proibidos durante o Estado Novo

Uma exposição itinerante sobre livros e autores censurados durante o Estado Novo, concebida pela Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, em resposta a um desafio feito pelas coordenações locais do Plano Nacional das Artes e da Rede Nacional de Bibliotecas Escolares. «Livros Proibidos durante o Estado Novo» integra as programações oficiais dos 50 Anos do 25 de Abril da Universidade de Coimbra e da Comissão Comemorativa 50 anos 25 de Abril.

Cinco conjuntos de exemplares de livros proibidos durante o Estado Novo (como «Quando os lobos uivam», de Aquilino Ribeiro, «O Encoberto» de Natália Correia), facsimilados pela editora A Bela e o Monstro, circulam em caixas pelas bibliotecas escolares. Concebidas pelo Atelier do Corvo, essas caixas com uma frente perfurada, integram a própria exposição: uma estará fechada, podendo espreitar-se as lombadas de livros que estão inacessíveis. A outra liberta os livros, nos quais uma cinta impressa permite através de um QR Code ter acesso à informação textual sobre o processo de censura da respetiva obra e ouvir o despacho que a proibiu e/ou um excerto do texto. Os textos são ditos por atores e atrizes de Coimbra.

Apresentação

Durante o Estado Novo (1926-1974), censuravam-se os jornais, as revistas, as peças de teatro, os filmes e a televisão ainda antes de chegarem ao público; era a chamada Censura Prévia. A Literatura também podia ser censurada, mas geralmente só depois de estar publicada. Não havia capacidade de examinar tudo antecipadamente e se um livro fosse proibido depois de impresso o prejuízo da editora seria mais grave. A exata extensão das atividades da Direção dos Serviços de Censura ainda se ignora porque as suas instalações em Lisboa foram invadidas por populares em 26 de abril de 1974 e parte da documentação perdeu-se. Estima-se que os censores tenham examinado entre 7 a 10 mil livros, muitos deles proibidos por «inconvenientes» e os seus autores vigiados ou perseguidos pela Polícia Política do regime.


Nalguns casos, as razões da proibição eram quase ridículas. Escrever a palavra «vermelho» podia levar a um corte porque os leitores empregues pelos Serviços da Censura (de início, militares) podiam ficar na dúvida se o «vermelho» se referia ou não a comunista. E, havendo dúvida, censurava-se! Por vezes, a Censura só não atuava para que uma Proibição não acabasse por fazer publicidade adicional à obra.

Bateu à porta o agente / Mostrou o cartão e disse / Fomos informados. / Entrou / Percorreu a casa toda / Revistou revistou os livros./ Era já tarde / Era a segunda vez./ Disse / Tenha cautela. / Saiu / fechou a porta. / Fechei-me.

(Ana Hatherly, Poesia: 1958-1978, p. 62-63)

Uma das obras proibidas mais conhecidas foi a Antologia de Poesia Portuguesa Erótica e Satírica (1965) porque a sua proibição e apreensão por «ofensiva do pudor geral, da decência e da moralidade pública e dos bons costumes» conduziria os responsáveis a julgamento criminal, no Tribunal Plenário da Boa Hora: apesar de ali ter sido «reconhecido o mérito literário da obra», saíram condenados em prisão remível a multa, em 21 de março de 1970, Natália Correia, organizadora, Fernando Ribeiro de Mello, editor e a maioria dos autores vivos incluídos nessa Antologia.

Desde 1939 que Miguel Torga era vigiado como «oposicionista» pela PVDE/PIDE, que acerca dele reuniu 455 páginas de informações, em vários processos. Algumas das suas obras foram proibidas, como O Quarto Dia, que lhe valeu dois meses de prisão, mas a maior parte delas foram «nem Autorizadas, nem Proibidas, por razões óbvias». Foi o caso de Bichos, que não podia ser mencionado nos jornais nem existir em bibliotecas de agremiações populares. Quais fossem essas «razões óbvias» da Censura, elas hoje nada têm de óbvio para nós

Manuel Alegre, já refugiado no exílio, também foi uma vítima: os seus livros de poesia Praça da Canção (1965) e O Canto e as Armas (1967) foram proibidos e os (poucos) exemplares encontrados pela PIDE foram apreendidos. É que ambas as edições se tinham esgotado em poucos dias. Poemas desses dois livros tornaram-se símbolos da luta antifascista, cantados, entre outros, por Zeca Afonso e Adriano Correia de Oliveira, Manuel Freire e Luís Cília.

Informação de um agente da PIDE sobre a inquirição de Manuela Duarte, mãe de Manuel Alegre, relativa à edição de O Canto e as Armas, 15 junho de 1970.

Um dos casos mais extraordinários deu-se com o Dinossauro Excelentíssimo de J. Cardoso Pires. O livro acabara de sair, em 1972, e o deputado da «ala liberal» Miller Guerra afirmou na Assembleia Nacional que não havia liberdade em Portugal. Para o contrariar, o deputado Casal-Ribeiro (ultraconservador) perguntou-lhe, precipitadamente:

«V. Exa. falou no falso conceito de liberdade. E eu pergunto o seguinte: V. Exa. quer mais liberdade do que aquela que nós vivemos neste momento, quando se permite, por exemplo, a saída de um livro ignóbil chamado Dinossauro Excelentíssimo?» (Diário da Sessões, n.º 201, 29 nov. 1972, p. 3960-3961).

Apontado estupidamente como um exemplo da liberdade, a Censura ficou sem capacidade de atuar, em relação ao livro e ao seu autor. E foi um verdadeiro sucesso, com seis edições em 1972-1973.

Bibliografia

Assembleia da República, Livros proibidos no Estado Novo. 2.ª ed. Lisboa : AR, 2005.

Azevedo, Cândido de, Mutiladas e proibidas : para a história da censura literária em Portugal nos tempos do Estado Novo. [Lisboa] : Caminho, 1997.

Magalhães, Júlio de, José Régio e a homossexualidade. Post no blog Do Médio-Oriente e afins, 4 ago. 2022. Disponível em: http://domedioorienteeafins.blogspot.com/2022/08/jose-regio-e-homossexualidade.html

Menano, António A., «Breves considerações sobre literatura erótica : a propósito de Nita Clímaco», in Mar Alto, n.º 11, Figueira da Foz, 24 ago. 1966, p.1 e 5.

Nunes, Renato, Miguel Torga e a PIDE : a repressão e os escritores no Estado Novo. Coimbra : MinervaCoimbra, 2007.

Nunes, Renato, Aquilino Ribeiro na Ditadura Militar e no Estado Novo de Salazar : (1926-1963). Coimbra : MinervaCoimbra, 2020.

Pedrosa, Ana Bárbara, «Do zeitgeist às prateleiras : as obras das autoras portuguesas censuradas». Anu. de Lit. ISSNe 2175-7917, Florianópolis, v. 24, n. 2, nov. 2019, p. 116-134. Disponível em: http://dx.doi.org/10.5007/2175-7917.2019v24n2p116

Seiça, Álvaro (coord.), e outros, Obras proibidas e censuradas no Estado Novo. Lisboa : Biblioteca Nacional de Portugal, 2022.

Vieira, Yvette, «Minha senhora de mim», Revista YVI, 07 mar. 2017 22:38. Disponível em: https://www.revistayvi.com/pt/livros/minha-senhora-de-mim.html

Ficha Técnica

Conceção e textos: A. E. Maia do Amaral

Criação de objeto: Atelier do Corvo

Design: Círculo de Artes Plásticas de Coimbra / Alexandra Oliveira

Leituras: Adriana Campos, Alexandra Silva, Alexandre Lemos, Alexandre Oliveira, Ana Teresa Santos, Bruna Marques, Carolina Andrade, Cláudia Carvalho, Cristina Grimaldi, Gil Mac, Helena Faria, Hugo Inácio, Igor Lebreaud, Isabel Craveiro, João Paulo Janicas, João Santos, Jorgette Dumby, José Geraldo, José Nelas, Margarida Sousa, Maria Antónia Sousa, Maria João Robalo, Mariana Banaco, Mário Montenegro, Matilde Paz, Miguel Magalhães, Pedro Lamas, Ricardo Correia, Ricardo Kalash, Rui Damasceno e Sofia Lobo.

Produção executiva, Comunicação e Informações sobre Circulação: Isabel Campante

Agradecimentos: A Escola da Noite, Amílcar Cardoso, Bonifrates, Carla Simões, Casa da Esquina, CITAC, Elsa Girão, Humberto Martins, João Maria André, José Diogo, José Neto, Luís Pedro Madeira, Marionet, Teatrão, TEUC e Verônica Zanon.

Coordenadores locais do Plano Nacional das Artes e da Rede Nacional de Bibliotecas Escolares: António Cerdeira e Helena Duque.

Organização

Apoios

Iniciativa integrada nas programações

Circulação da exposição

Escola Secundária Infanta D. Maria 4 a 15 de dezembro de 2023 e 3 a 31 de janeiro de 2024 Escola Secundária Quinta das Flores 3 de janeiro a 8 de fevereiro Escola Secundária de Avelar Brotero 1 de feverero a 29 de fevereiro de 2024 Escola Secundária José Falcão 1 a 22 de março de 2024 Escola Secundária D. Dinis 8 a 30 de abril de 2024 Agrupamento de Escolas Rainha Santa Isabel 6 a 17 de maios de 2024 Agrupamento de Escolas Eugénio de Castro 26 de fevereiro a 22 de março de 2024 Agrupamento de Escolas Martim de Freitas 8 a 30 de abril de 2024 Agrupamento de Escolas Coimbra Centro 9 de feverero a 22 de abril de 2024 Agrupamento de Escolas Coimbra Sul 8 de abril a 3 de maio de 2024 Agrupamento de Escolas Coimbra Oeste 8 de janeiro a 23 de fevereiro de 2024