(1744-1787)


Matemático de genial invento e poeta, nasceu em Lisboa a 11 de Maio de 1744. A sua obra matemática, nomeadamente os seus Principios Mathematicos (Lisboa, 1790) suscitam a maior atenção por parte da comunidade científica e histórica, tanto nacional como internacional. A par de extremamente inovador e rigoroso, admite-se hoje que se tenha antecipado a Cauchy na descoberta da fórmula conhecida pelo nome de Cauchy-Bolzano.

José Anastácio da Cunha nasceu no seio de uma família humilde. O seu pai, Lourenço da Cunha, era pintor e sua mãe, Jacinta Inês, era criada. Anastácio da Cunha foi baptizado na Freguesia de Santa Catarina a 22 de Maio. Quando José Anastácio da Cunha nasceu, os seus pais moravam na Rua dos Ferreiros, local mais provável do seu nascimento. No ano 1750, mudaram-se para a rua dos Galegos na freguesia do Sacramento.

A sua educação foi marcada pelas ligações que teve com os Oratorianos do Convento da Nossa Senhora das Necessidades, cujo ensino, oposto ao jesuítico, se caracterizava pela liberalidade e pelo humanismo, bem como pela adopção da chamada Filosofia Moderna e pela figura da sua mãe que o educou com princípios cristãos nos primeiros anos da sua vida. O jovem Anastácio da Cunha aprendeu gramática, retórica e lógica no Colégio dos Padres Oratorianos.

Por curiosidade, sozinho, sem auxílio de qualquer mestre, estudou física e matemática. Há ainda a hipótese de que Lourenço da Cunha tenha ensinado a seu filho rudimentos da matemática e da geometria.

A 25 de Junho de 1764, quando Anastácio da Cunha tinha 20 anos de idade, foi nomeado primeiro-tenente do regimento de artilharia do Porto onde teve oportunidade de se dedicar aos seus estudos de matemática, como também à história, às línguas e às belas artes.

Anastácio da Cunha era um jovem muito tímido, arrebatado e principalmente muito dotado tanto em termos científicos, como também linguísticos e literários. Parte da sua personalidade intelectual terá sido influenciada pelo contacto que manteve com oficiais de culturas de países designados como "iluminados". Assim, foi no convívio que manteve com oficiais ingleses que aprendeu bem a língua inglesa. Além do latim e do grego aperfeiçoou o francês e o italiano o que lhe permitiu mesmo fazer várias traduções.

A 5 de Fevereiro de 1767 foi nomeado tenente-coronel. Quando completou 25 anos estava em Valença e foi destacado para a praça de Almeida. A pedido de Simon Fraser elaborou uma carta físico-matemática sobre A teoria da pólvora em geral, e a determinação do melhor comprimento da peças em particular. Essa carta foi apresentada ao Conde Lipe que, ao verificar que nela estavam citadas algumas autoridades que não constavam do plano de estudos militares, terá repreendido Anastácio da Cunha, embora mais tarde tenha chegado a reconhecer o seu mérito. Com essa carta José Anastácio da Cunha dava a conhecer as suas excepcionais aptidões.

Em 1773, quando já tinha 29 anos, foi nomeado pelo Marquês de Pombal como Lente de geometria na Universidade de Coimbra, cargo que exerceu durante um período de 5 anos. Nessa altura, o ensino de geometria era feito através da tradução dos Elementos de trigonometria e álgebra de José Monteiro Rocha, tradução que José Anastácio da Cunha achava demasiado longa e complicada.

Decidiu então utilizar uma outra, elaborada por si e que tinha a particularidade de ter apenas uma única folha. Apesar disso, não ficou muito satisfeito e apresentou na congregação da Faculdade de Matemática a 20 de Abril de 1776, um Compendio de Ellementos praticos de geometria, um método mais leve e fácil de

maneira a ensinar facilmente. Este método ficou à espera de ser analisado por outros professores da faculdade embora nunca tivesse havido qualquer comentário. Tratava-se já da obra Principios Mathematicos.

Após a morte de D. José I, em 1777, foi denunciado à Inquisição, preso em 1 de Julho de 1778 e acusado de se ter relacionado com camaradas militares protestantes ingleses, de ter lido Voltaire, Rousseau, Hobbes e outros autores que defendiam o deísmo, indeferentismo e tolerantismo e de ter emprestado a uma sua discípula livros que estavam impregnados de filosofismo. Anastácio da Cunha foi também acusado de comer carne em dias proibidos, de manter em sua casa uma amanceba, de assistir com pouca reverência na igreja e de dispensar os preceitos da mesma.

Foi condenado a concluir reclusão por três anos na Casa das Necessidades da Congregação do Oratório de Lisboa, seguindo de quatro anos de degredo para Évora e ficou ainda interdito de entrar em Coimbra e em Valença.

A 21 de Janeiro de 1781 foi libertado e foram-lhe perdoados os quatro anos de degredo em Évora. O período de reclusão poderá ter sido aproveitado para aperfeiçoar os Principios Mathematicos.

Em 1781, Anastácio da Cunha estava desempregado porque a Universidade de Coimbra não voltou a pedir os seus serviços. Só a 26 de Novembro de 1778 é que foi nomeado para assistente da disciplina de Geometria tendo passado a definitivo a 1 de Outubro de 1783.

Em 1781, convidou-o Pina Manique para regente de estudos e professor substituto do curso matemático do Colégio de S. Lucas da Casa Pia de Lisboa, onde alguns dos fascículos de Principios Mathematicos já serviam para leccionar.

Deve-se também a Anastácio da Cunha o plano de estudos da Casa Pia antes do ano 1783 que pretendiam fornecer aos alunos fortes bases científicas. Sabe-se ainda que, quando morreu, Anastácio da Cunha já não exercia quaisquer funções na Casa Pia pois o seu cargo já tinha sido extinto.

Os Principios Mathematicos só foram publicados posteriormente, no ano de 1790. No entanto, a obra conseguiu algum impacto entre a comunidade matemática europeia em virtude de dela ter sido feita uma tradução francesa.

Para além das obras referidas, José Anastácio da Cunha deixou várias outras obras, entre as quais: Ensaio sobre os Principios de Mechanica, de que não se conhecem exemplares, mas que terá sido publicado por Domingos de Sousa Coutinho em Londres em 1807, Ensaio sobre as Minas, manuscrito inédito existente no Arquivo Distrital de Braga e publicado em 1994 numa iniciativa conjunta do Arquivo Distrital de Braga e do Departamento de Matemática da Universidade do Minho. Este manuscrito era destinado à instrução de oficiais do Regimento de Artilharia do Porto aquartelado na Praça de Valença do Minho.

Da sua vida social apenas se sabe que frequentava alguns saraus literários no palácio da família Freire de Andrade. Viveu os últimos tempos da sua vida angustiado e amargurado com as injustiças e ingratidões de que sempre foi alvo.

Viria a morrer na freguesia de S. Pedro em Alcântara, a 1 de Janeiro de 1787, com 43 anos de idade, devido a um ataque biliar.

O trabalho de Anastácio da Cunha foi apreciado por Gauss que, numa carta a Bessel em 21 de Novembro de 1811, escreve:

( ) todos os paradoxos que alguns matemáticos descobriram nos logaritmos desapareceram sozinhos, quando não se parte da definição habitual baselogar. = número, que no fundo só serve quando o expoente é um número inteiro, e não faz qualquer sentido quando o expoente é imaginário mas se chama logaritmo de A a uma grandeza tal que, quando se substitui x por ela na série esta fica com o valor de A; vejo com prazer que o português Cunha escolheu de facto esta definição e por isso foi censurado numa má recensão das nossas Gelehrten Anzeigen ( ).


Fontes:

RODRIGUES, Vânia - Vida e obra de José Anastácio da Cunha . [Consult. 22 Abril 2010]. Disponível em WWW: http://www.educ.fc.ul.pt/docentes/opombo/seminario/acunha/vida.htm

REIS, Fernando – Ciência em Portugal : personagens e episódios.[Consult. 22 Abril 2010].Disponível em WWW: http://cvc.instituto-camoes.pt/ciencia/p7.html


Livros disponíveis na Biblioteca Matemática:

Em homenagem a José Anastácio da Cunha, 7 de Outubro de 1987. Coimbra : DM-FCTUC, 1989. 113 p.

Cota: 00B30/Em

COLÓQUIO INTERNACIONAL ANASTÁCIO DA CUNHA. O MATEMÁTICO E O POETA, Lisboa, 1987 - Anastácio da Cunha : 1744/1787 : o matemático e o poeta : actas do colóquio internacional. Lisboa : IN-CM, 1990 imp.. XXX, 476 p.

Cota: 01A70/COL

CUNHA, José Anastácio da, ; CIDADE, Hernâni - A obra poética do Dr. José Anastácio da Cunha. Coimbra : Imprensa da Universidade, 1930. CXLV, 214 p.

Cota: 01A99/CUN

CUNHA, José Anastácio da - Principios mathematicos. Coimbra : DM/FCTUC, 1987. XXII, 315 p.

Cota: 01A75/CUN

CUNHA, José Anastácio da - Principes mathématiques. Coimbra : DM/FCTUC, 1987. XXII, 299 p.

Cota: 01A75/CUN/trd.fr.

CUNHA, José Anastácio da - Principios mathematicos para instrucçäo dos alumnos do collegio de Säo Lucas, da Real Casa Pia do Castello de Säo Jorge. Lisboa : na offic. de Antonio Rodrigues Galhardo, 1790. [1 br.], 315, [1 br.]p.

Cota: RB.02.08

Cota: RB.02.09

CUNHA, José Anastácio da - Carta fisico-mathematica sobre a theorica da polvora em geral e a determinaçäo do melhor comprimento das peças em particular. Porto : Typographia Commercial Portuense, 1838. 33 p.

Cota: 01A75/CUN.Car