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Qual é o sabor de Coimbra? Percorrer jornais em busca da identidade gastronómica da cidade

A presença da gastronomia na imprensa. O caso do Diário de Coimbra (1930-1934) é o tema do projeto de mestrado de Paulo Queirós, estudante do mestrado em Alimentação: Fontes, Cultura e Sociedade da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, orientado por Maria José Azevedo Santos. Esta dissertação é a extensão do seu trabalho quotidiano à investigação: cozinha desde pequeno e é à gastronomia que entrega a sua vida profissional, quer na cozinha, quer na investigação. Depois de várias horas a pesquisar antigas edições do Diário de Coimbra, nas instalações do jornal e também na Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, Paulo Queirós partilha connosco os sabores que marcam a gastronomia da cidade, assim como as suas grandes influências.

Qual é objeto de estudo da tua investigação de mestrado?

Na minha dissertação de mestrado decidi trabalhar a alimentação, a partir de conteúdos do Diário de Coimbra, uma sugestão da minha orientadora. E esta fonte revelou-se fantástica para melhor compreender a área: através da análise deste jornal diário consegui muitos conteúdos para investigar a alimentação em Coimbra. Esta abordagem à gastronomia surgiu de uma interrogação: qual é a gastronomia de Coimbra? E a opinião sobre os sabores que marcam esta gastronomia acaba por ser muito dispersa.

No âmbito da dissertação realizei também entrevistas, tendo falado com algumas pessoas idosas, com cerca de 90 anos e, por isso, com relação com a época que estudei (o período entre 1930-1934), e uma delas contou-me, com grande assertividade, que um dos pratos característicos de Coimbra seria o cozido à portuguesa. Era o prato que ela associava mais rapidamente à gastronomia de Coimbra porque, como foi um período de muita fome, o cozido à portuguesa significava abundância. E, por causa disso, na memória das pessoas mais novas o prato ficava como um dos mais importantes. Assim como o cozido à portuguesa, também a chanfana era associada à gastronomia de Coimbra.

Como é que surge o seu interesse em realizar o mestrado na área da gastronomia?

Sempre fui muito curioso e sempre procurei saber mais sobre a alimentação. Quando o mestrado foi lançado fiquei muito interessado, mas devido à minha situação profissional não tive possibilidade de me matricular. Assim que surgiu essa possibilidade, matriculei-me no curso e gostei imenso, dos professores, do ambiente e especialmente dos conteúdos lecionados. Sempre quis trabalhar um tema que deixasse algum contributo para a cidade que me acolheu tão bem (porque não sou de Coimbra) e, por isso, quando chegou a altura de escolher o tema da dissertação segui este caminho. Como referi anteriormente, a escolha do Diário de Coimbra como fonte informativa parte de um desafio que me foi lançado pela professora Maria José Azevedo Santos, por se tratar de uma fonte que ainda não tinha sido trabalhada neste âmbito. E durante a pesquisa percebi que, de facto, havia muita informação, direta e indireta, nas edições do jornal para compreender a gastronomia da cidade.

Quais foram as principais técnicas de pesquisa utilizadas na pesquisa?

Como referi, fiz pesquisa documental com recurso ao Diário de Coimbra. Fiz também uma abordagem aos livros de cozinha, especialmente algumas obras publicadas entre 1904 e 1946, para compreender como é que a gastronomia era vista por quem escrevia sobre o tema naquela época. Fiz também entrevistas para procurar compreender como era o quotidiano nesses tempos, porque a cultura do povo nem sempre era descrita nestes livros. E este confronto entre os livros e os testemunhos das pessoas foi realmente importante para perceber a vida, o ambiente e alimentação na cidade.

Dado que já chegou a algumas conclusões com o seu estudo, qual é a cozinha identitária de Coimbra?

Uma das conclusões que alcancei com este estudo prende-se com o papel da Universidade de Coimbra na promoção da vida da cidade. Nos anos 20, 30 e 40, a grande parte dos alunos vinham das Beiras e do Norte de Portugal e traziam os seus hábitos alimentares para as repúblicas e residências da cidade. E com os estudantes, vinham, muitas vezes, também alguns familiares. E, portanto, os seus hábitos alimentares passam a ser adequados aos alimentos que eram mais comuns na cidade. Por isso, a gastronomia de Coimbra é baseada nesta amplitude das pessoas que foram chegando a Coimbra. Acrescenta-se ainda a esta tendência o facto de cortes de reis de Portugal terem estado na cidade. E como as cortes estiveram sediadas nestas terras, há rastos de alguns hábitos alimentares importantes que ficaram também na gastronomia.

A conclusão a que acabei por chegar é que a cozinha de Coimbra não é restrita: vive de várias influências. Há diversas influências na gastronomia na cidade, seja a cozinha das repúblicas, das casas de família, das tascas e da pesca no rio. E este conjunto de cozinhas fazem com que a cozinha de Coimbra tenha a importância que tem e que nem sempre tem a importância devida. E os cursos ligados a esta área, nomeadamente na Universidade de Coimbra e na Escola de Hotelaria e Turismo de Coimbra, começam a dar mais importância a este tema.

Quais foram os maiores desafios do processo de construção deste projeto de mestrado?

A nível pessoal foi a falta de tempo para me dedicar ao projeto. Acabei por fazer a parte curricular do mestrado e só passados 10 anos é que fui terminar a dissertação. Acabou por ser um pouco mais difícil não ser um processo contínuo e tive alguma dificuldade em retomar o processo de pesquisa que já tinha iniciado, de forma a atualizá-lo. Outro dos desafios, este a nível académico, diz respeito à falta de informação disponível, que acabou por me motivar ainda mais para trabalhar este tema. E o facto de ter conseguido recolher toda a informação necessária acabou por se tornar num dos pontos fortes do meu projeto. Curiosamente, no ano em que termino o meu projeto, a Região de Coimbra é a Região Europeia de Gastronomia, o que vem também dar validade ao trabalho desenvolvido.

No meio de todos estes desafios, tive a sorte de ter uma boa orientadora e também bons professores que me elucidaram sobre o melhor caminho a seguir. E o facto de ter escolhido um tema que faz parte das minhas paixões foi fundamental! Tudo isto contribuiu para que as dificuldades do percurso fossem ultrapassadas e tivessem um papel menor e nada impeditivo no decorrer da investigação.

Como é que o interesse pela gastronomia surgiu na sua vida?

Acaba por ser curioso, dado que não tenho ninguém na minha família que esteja ligado à gastronomia. Mas desde pequeno sempre gostei de cozinhar. Com 12 anos já fazia festas em casa: organizava, fazia os convites, cozinhava e arrumava. E o interesse pela cozinha foi crescendo. Comecei por tirar um curso técnico de cozinha e pastelaria e a partir daí praticamente nunca parei de estudar e trabalhar na área da gastronomia. Posso não cozinhar todos os dias por estar mais dedicado à investigação, mas a gastronomia vai estar sempre presente na minha vida!

Gostaria de partilhar algumas dicas com os/as estudantes que estão a desenvolver o seu projeto de mestrado?

Hoje em dia, uma das situações com que os estudantes se deparam é a aplicação prática dos cursos, nomeadamente a partir das dissertações. E aquilo que sugiro é que comecem a pensar, já durante a frequência da parte letiva do curso, com que professores é que gostariam de desenvolver algum trabalho e que temas gostariam de trabalhar. Deste modo, quando chegar a altura de tomar decisões já terão o caminho mais ou menos definido. Abrir a primeira página de um livro, para definirmos o que pretendemos trabalhar, é algo que pode ser desafiante, porque vivemos um momento em que estamos a escolher o nosso caminho. E a preparação deste caminho vai facilitar muito as nossas decisões e escolhas! Escolham um trabalho que vos dê prazer e que seja útil para a vossa vida. Para mim, foi muito importante fazer o mestrado e hoje sou uma pessoa ligeiramente diferente graças a este percurso.

Produção e Edição de Conteúdos: Catarina Ribeiro, DCOM e Inês Coelho, DCOM

Fotografia: Paulo Amaral, DCOM

Edição de Imagem: Sara Baptista, NMAR

Publicado a 14.10.2021