Pigmento(s)

AB

Ana Maria Bandeira

Arquivo da Universidade de Coimbra

O Treslado do Tombo de Lobelhe (1631), inserido no acervo do Arquivo da Universidade de Coimbra, apresenta-se hoje sem encadernação. Mas ela pode ser conhecida, pois sobreviveu um fragmento de um códice medieval que foi aplicado nessa encadernação. Refira-se que Lobelhe, hoje com a grafia Lovelhe, foi freguesia do concelho de Vila Nova de Cerveira (distrito de Viana do Castelo), atualmente integrada na união de freguesias de Vila Nova de Cerveira e Lovelhe. A igreja de Santa Maria de Lovelhe, a que pertenciam os bens do referido tombo, pertenceu ao padroado real, mas a apresentação do seu pároco era feita pelo Mosteiro de Sanfins de Friestas. Quando este cenóbio foi extinto e foi anexado, com os seus bens, ao Colégio de Jesus de Coimbra, em 1548, passou a ser o Colégio a fazer essa apresentação. Após a extinção da Companhia de Jesus, os seus bens vieram a ser anexados à Universidade de Coimbra, em 1774.

Devido a uma prática comum nas décadas de 40 a 60, do século passado, muitos fragmentos de códices de pergaminho foram retirados das encadernações a que pertenciam, dando origem a uma Coleção de Fragmentos de Códices em Pergaminho. É esta a razão de este fragmento também se encontrar destacado da encadernação a que pertenceu.

A bela capital M, dando início à palavra Moisés (Moyses), apresenta uma coloração muito semelhante à das iluminuras do códice medieval Apocalipse de Lorvão, exemplar elaborado em 1189, no scriptorium do Mosteiro de Lorvão, que inclui um Comentário ao Apocalipse, do Beato de Liébana.

A semelhança reside não apenas na própria letra carolina, mas também na cor da iluminura, em que terão sido, quiçá, usados os mesmos pigmentos para a elaboração das tintas de cor amarela e vermelha, sendo este fragmento, provavelmente, de datação próxima.

A letra capital M é composta pelo desenho de duas aves que entrelaçam o seu pescoço, inclinado até ao chão, com as cabeças também entrelaçadas, sob um fundo vermelho e com bordadura a amarelo. Geralmente, o açafrão era o pigmento vegetal a que se recorria, para a criação da cor amarela.

Mas também podia ser obtida através do “ouropimenta”, “auripigmento” ou “jalde”, mineral que tem sido identificado com o sulfureto de arsénio, ou rosalgar, que já era referido no Livro de como se fazem as cores, obra portuguesa manuscrita, atribuída ao séc. XV, existente na Biblioteca de Parma.

Um outro exemplo de fragmento, com iluminura, foi colhido na encadernação do Livro de Receita e Despesa do Hospital de S. Lázaro de Coimbra (1583-1584). Pertenceria a um códice manuscrito, com texto e glosa, apresentando uma iluminura na letra maiúscula E, com decoração polícroma, nas cores amarela, verde, vermelha, lilás e azul. Felizmente, o fragmento de pergaminho ainda permanece agregado à encadernação.

Os pigmentos utilizados, para a elaboração destas tintas da iluminura, podem ser de natureza diversa, tendo por base minerais, vegetais e animais. Assim, refiram-se, por exemplo, a malaquite que podia ser utilizada para fabricar a cor verde, ou outros minerais, como o lápis lazúli e a azurite, para fabricar o azul, que também podia ser produzido pelo pigmento do anil, anileira ou anil dos tintureiros, a planta de uso comum, sobretudo para tingir tecidos. Por seu lado, o minium era o mineral que podia utilizar-se para elaborar o vermelho que, por sua vez, também poderia obter-se a partir da cochonilha, apesar de este inseto produzir um vermelho carmim.