Auripigmento, o Amarelo Real

GP

Gilberto Pereira

Museu da Ciência da Universidade de Coimbra

O auripigmento é um mineral que foi utilizado desde a antiguidade como pigmento, sendo também conhecido por Amarelo Real. Quimicamente é um trissulfureto de arsénio (As2S3) descrito em tratados antigos como possuindo tonalidades entre o amarelo-limão, o dourado e o amarelo-acastanhado, sendo brilhante e opaco.

É um mineral raro que se encontra muitas vezes associado ao realgar (AsS, ou As2S2 ou α-As4S4), que é um pigmento descrito como tendo colorações entre o vermelho-alaranjado e o laranja-amarelado, e ao pararealgar (β- As4S4), um pigmento amarelo resultante da transformação pela luz do realgar. As nuances cromáticas com que são descritos estes pigmentos devem-se às misturas dos diversos polimorfismos minerais de sulfuretos de arsénio. De referir que o realgar, após uma exposição prolongada à luz, e na presença de oxigénio, pode originar auripigmento e trióxido de arsénio (arsenolite) de cor branca.

3 As2S2 + 3/2 O2 → 2 As2S3 + As2O3

O auripigmento quando seco é estável à luz visível e ultravioleta, contudo em meio húmido e exposto à luz pode sofrer lentas alterações, dando origem ao trióxido de arsénio (As2O3) e libertando sulfureto de enxofre (H2S). Sob a ação da luz pode também ocorrer decomposição do auripigmento dando origem ao trióxido de arsénio e a dióxido de enxofre (SO2). Ou seja, quando o auripigmento é aplicado numa pintura através de uma técnica aquosa, fresco ou têmpera e sob a ação da luz, poderá dar origem a trióxido de arsénio, que é um produto de cor branca. A ocorrência de arsenolite é verificada atualmente em aplicações tanto de auripigmento como de realgar. Também é sabido que, quando o auripigmento é exposto ao ozono (O3), mesmo na ausência de luz, pode converter-se em trióxido de arsénio.

Tratados antigos de pintura não recomendam a mistura de auripigmento com os pigmentos: branco de chumbo ( 2PbCO3.Pb(OH)2 ), vermelho de chumbo (Pb3O4) e verdigris (Cu(CH3COO)2.2Cu(OH)2 ), advertindo contra o seu escurecimento.

Há relatos do escurecimento do branco de chumbo adjacente ao auripigmento, em pinturas murais. Isto deve-se possivelmente a reação com o gás sulfídrico que ocorre da decomposição do auripigmento.

2 PbCO3.Pb(OH)2 + H2S → 3 PbS + 4 H2O + 2 CO2

O sulfureto de chumbo (PbS) que se forma tem a cor preta, amarelecendo ou tornando castanhas as camadas com branco de chumbo.

Se o auripigmento não é misturado com outro pigmento e no entanto escurece, este facto poderá dever-se, no caso da pintura mural, a uma reação com o suporte da pintura. O dióxido de enxofre (libertado na decomposição do auripigmento sob a ação da luz) é um gás estável em condições normais, mas oxida facilmente com a exposição à luz solar, originando SO3, que por sua vez, combinado com a água, origina ácido sulfúrico (H2SO4). Este ácido em contacto com o CaCO3 do mural (resultante da carbonatação da cal), provoca uma reação de sulfatação que origina sulfato de cálcio bihidratado, denominado comummente por gesso (de cor branca).

2 CaCO3 + 2 H2SO4 → 2 CaSO3.2 H2O + 2 CO2

O enegrecimento das superfícies cobertas de gesso é conhecido e deve-se à deposição superficial ou à retenção na camada mais externa de partículas com carbono, provenientes da combustão de óleos e de carvão.

A exposição de amostras de auripigmento ou realgar em contexto museológico, deverá ser feita em condições controladas de luminosidade e humidade relativa, de forma a minimizar a sua fácil deterioração.