Fogo Que Arde Sem Se Ver

GP

Gilberto Pereira

Museu da Ciência da Universidade de Coimbra

O oxigénio é indispensável à combustão. Sem ele não é possível atear um fogo, nem sequer produzir uma faísca. Para provar este princípio existe no Gabinete oitocentista de Física do Museu da Ciência da UC um disparador de pederneira: um pequeno dispositivo composto por uma pedra de grande dureza, que permite a percussão da mesma contra uma peça metálica, produzindo uma faísca. Todavia, quando esta experiência é realizada no vácuo, introduzindo o disparador de pedreneira dentro de uma campânula de vidro, de onde o ar foi previamente removido com o auxílio de uma máquina pneumática, verificamos que não há produção de faíscas.

Para disparar a pederneira quando esta se encontra dentro da campânula era aplicada, na abertura superior da campânula, uma peça metálica (que se encontra em falta), que, para além de vedar o recipiente, seria atravessada por um eixo metálico com o qual era possível acionar o disparador. Ao rodar este eixo a pedra seria projetada rapidamente sobre a peça metálica. Com a campânula rarefeita de ar pela ação de uma máquina pneumática verificar-se-ia a ausência de faíscas.

Giovanni Dalla Bella (1726-1823), primeiro professor de Física deste Gabinete, foi o responsável pela organização da coleção de instrumentos que em 1773 chegou a Coimbra, vindos do Colégio dos Nobres de Lisboa, e da qual este dispositivo fazia parte. No Index Instrumentorium, primeiro inventário desta coleção, Dalla Bella informa-nos que este modelo de disparador de pederneira foi por si inventado.

Tal como no amor do soneto de Camões, sem faísca não há fogo!

“Amor é fogo que arde sem se ver;
É ferida que dói e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer;
É um não querer mais que bem querer;
É solitário andar por entre a gente;
É nunca contentar-se de contente;
É cuidar que se ganha em se perder;
É querer estar preso por vontade;
É servir a quem vence, o vencedor;
É ter com quem nos mata lealdade.
Mas como causar pode seu favor
Nos corações humanos amizade,
Se tão contrário a si é o mesmo Amor?”

Luís de Camões