A Primeira Emissora Radiofónica da Universidade de Coimbra

GP

Gilberto Pereira

Museu da Ciência da Universidade de Coimbra

A descoberta da Telefonia Sem Fios (T.S.F.), em 1895, é atribuída a Marconi, embora outras personagens tenham contribuído com avanços que possibilitaram a transmissão de som sem a necessidade de um fio elétrico, tais como Hertz, Branly, Tesla e Popov.

Em Portugal, as primeiras experiências de T.S.F. foram realizadas pelas forças militares, em 1901, mas a primeira emissão radiofónica foi feita apenas em 1914. A Emissora Nacional de Radiodifusão foi inaugurada em 1 de Agosto de 1935. Os rádio-amadores que então existiam faziam emissões esporadicamente e por breves minutos, devido às dificuldades técnicas.

Em Coimbra, o primeiro posto de rádio amador, CT1CZ - Rádio Coimbra, de António Neves da Costa, surgiu em 1927. O Rádio Clube do Centro de Portugal, uma associação de radiófilos, foi fundada em 1932, tendo como presidente Mário Augusto da Silva, diretor do Laboratório de Física da Universidade de Coimbra. Nesta associação, colaboraram, entre outros, António Neves e Abílio Lagoas. Uma das primeiras atividades que esta associação promoveu foi uma conferência radiodifundida pelo posto C.T.1.C.Z. – Rádio Coimbra (em 12-5-1932) e ministrada por Manuel dos Reis, que por esta altura era professor do grupo de Física. Este grupo, que perdurou até Junho de 1935, tinha por objetivo “intensificar a propaganda da T.S.F. no nosso paiz, facilitando a todos os seus associados os meios de estudo e as indicações técnicas de que precisem para a construção ou reparação de aparelhos receptores e emissores, procurando também, pelos meios ao seu alcance, eliminar as perturbações de origem industrial ou doméstica que impedem a boa recepção das emissões radiofónicas” (Boletim da R.E.P., 1935).

Nesse mesmo ano de 1932 teve início a montagem de um posto emissor de rádio no Laboratório de Física da Universidade de Coimbra (instalado no edifício do antigo Colégio de Jesus). O grande responsável pela sua montagem e construção foi o assistente do laboratório de Física João Teixeira Lopes, entusiasta da radiotécnia. Este pequeno emissor de T.S.F., que inicialmente não atingia uma potência de mais de 10 Watts na antena, permitia emissões experimentais em ondas médias. O objetivo inicial seria utilizar este aparelho simultaneamente para estudo e transmissão de conferências educativas, que seriam audíveis em boas condições num raio de poucos quilómetros. O emissor era alimentado por uma bateria de alta tensão composto por 880 elementos, que atingiam 500 volts de tensão máxima. Esta bateria tinha sido adquirida por Mário Silva para o Instituto do Rádio mas, por este estabelecimento ainda não ter sido inaugurado, foi possível utilizar o equipamento no emissor. O pequeno emissor de T.S.F. foi inteiramente construído no Laboratório de Física, sendo composto por um oscilador e amplificador intermédio de alta frequência, por um amplificador final e modulador e por um amplificador de baixa frequência com amplificador prévio de microfone.

O objetivo de Mário Silva era não montar apenas um simples posto experimental, mas sim uma estação com uma maior e mais eficiente radiodifusão, sendo um instrumento de difusão de cultura, ao serviço da Nação. A instalação deste posto dentro do Laboratório de Física tinha para ele a grande vantagem de poder ser utilizado também para o ensino da cadeira de Eletricidade, disciplina que era ministrada pelo próprio. Em finais de 1937, Mário Silva e João Teixeira Lopes realizaram emissões experimentais, com alguma regularidade, recebendo grandes elogios tanto de ouvintes como em diversos jornais.

Pouco tempo depois, em Junho de 1938, a emissora experimental do Laboratório de Física suspendeu as suas emissões para cumprir determinados preceitos legais, impostos pelo decreto de lei n.º 22784. Um ano depois (21-9-1939) o decreto lei n.º 29937 suspendeu o funcionamento de todas as emissoras amadoras (devido ao início da guerra). O posto radiofónico instalado no Laboratório de Física ainda emitiu pontualmente em fevereiro de 1941, após uma grande tempestade que atingiu e isolou a cidade de Coimbra, onde foi utilizado para comunicar com o exterior. Todavia os seus dias de emissão tinham terminado, mantendo apenas a sua função de recetor de outras emissoras.

O regime conhecia a importância da emissão radiofónica e, por isso, não podia deixar que fossem realizadas transmissões desse tipo, sem o seu controlo. Para António Salazar, a telefonia era a “maior assembleia que em Portugal se congregou a escutar a palavra de alguém” (Manuel da Silva, 1955). Conhecedor deste potencial, não podia permitir que uma voz crítica do regime pudesse controlar tão importante ferramenta. Em 1947 Mário Silva foi afastado definitivamente da Universidade, juntamente com outros 20 professores universitários.