Horas “a Fio” a Desenhar

CT

Cristina Tavares

Jardim Botânico da Universidade de Coimbra

MF

Maria Romão Ferreira

Jardim Botânico da Universidade de Coimbra

Corria o ano de 1987, aula prática de Histologia e Anatomia Vegetal, tardes longas no Laboratório I do Departamento de Botânica, hoje Departamento de Ciências da Vida da Universidade de Coimbra (DCV).

Cedo me apercebi da qualidade dos desenhos de dois alunos (por feliz coincidência, da mesma turma), a quem lancei um desafio: se mantivessem o nível dos relatórios, subiriam 2 valores à média final da avaliação teórica. Os alunos-artistas, o Fernando Correia e o Leonel Pereira, motivados pela perspetiva da justa recompensa do seu esforço, corresponderam prontamente.

Num clima de alguma competitividade, saudável e muito estimulante, passaram muitas horas “a fio” a desenhar, em laboratório e fora do horário da aula, tal foi a qualidade da obra final: uma coleção ilustrada de estruturas vegetais, de tecidos e órgãos em corte, representados em setores circulares (Figuras 1 a 5) ou completos, como a folha de Pinus sp., feita na aula, e posteriormente reciclada pelo autor (Figura 6).

Em todo este processo entusiasmante fiquei eu na “corda bamba”: se, por um lado, estava deslumbrada com o resultado prático e o empenho e dedicação dos alunos, por outro, fiquei angustiada: como convencer o regente da cadeira, Prof. Doutor José Mesquita, a concordar com os 2 valores a mais!?... Penoso: a minha palavra empenhada e dependente de uma dificuldade conhecida, a atribuição de notas altas pelo Botânico...

Revelou-se feliz o desfecho desta aposta: o Professor rendeu-se à evidência e não só foi cumprido o compromisso, como se exibiram os desenhos no final do ano letivo, numa das primeiras exposições da galeria do DCV, intitulada “Da Célula ao Órgão Vegetal”. Os dois alunos, autores de um verdadeiro Atlas de Histologia e Anatomia Vegetal, utilizado ainda nas aulas de Biologia, são exemplo de abnegação, talento e entrega ao desenho científico, e hoje biólogos, ilustradores e cientistas de prestígio.

Na ilustração, há um misto de arte e ciência que retrata e fixa a Natureza, permitindo uma interpretação aprofundada e uma análise ao pormenor, independentes das circunstâncias e do tempo real. Esta disponibilização permanente do “objeto de ciência” é suscetível de ser associada e potenciar outras valências disciplinares, como a comunicação e educação em ciência a partir de ilustrações botânicas: alguns passos do processo se exemplificam aqui.