23º Festival de Teatro de Tema Clássico

16 may, 2022≈ 6 min read

Está a decorrer a 23ª edição do FESTEA, o Festival Internacional de Teatro de Tema Clássico. Trata-se de um evento com forte tradição e que reúne em Coimbra (com extensões a outros locais) artistas nacionais e internacionais. Para a edição deste ano, que iniciou no dia 12 de maio, convidámos dois espetáculos teatrais, um de performance e outro de vídeo-arte, áreas fortemente relacionadas com as artes cénicas, para pensar o teatro clássico e os seus mitos. O resultado é um festival que aposta nas protagonistas femininas, interrogando a explorando os seus sentido, testando e esticando os seus limites simbólicos.

No momento em que cumpre a sua 23ª edição, a primeira realmente em pós-pandemia, o FESTEA insiste em abrir os clássicos, os seus mitos e o seu teatro a uma estética contemporânea: contemporânea porque os espetáculos espelham, pelos seus temas e linguagens, as mais prementes e doídas questões do tempo que é o nosso; um tempo de desagregação e, como o teatro talvez, mais com aparência de mentira do que de verdade; mas contemporânea também na estética das suas propostas e nos diferentes registos artísticos que congrega (teatro, performance e vídeo-arte). Quatro obras artísticas que, na sua linguagem própria, são todas elas o resultado de reescritas do mito, na dramaturgia inédita que está na sua base.

Os quatro espetáculos que este ano se apresentam no Festival, marcados pela diversidade conceitual, têm ainda a uni-los a preferência por protagonistas femininas: Níobe, as mulheres de Troia, Medusa e Alceste. Mulheres da Antiguidade que são arquétipos dos tempos modernos, mas arquétipos, se quisermos, da distopia que parece ter-se mudado para o nosso bairro e insistir na sua música irritante. Que fazer, pois, com estas mulheres? Ou talvez melhor, que mulheres são estas? O que nos podem contar e ensinar as suas palavras, os seus silêncios e os seus corpos?

De Espanha nos chega Melania Olcina Yuguero, premiada artista dos campos da dança e da vídeo-arte, para apresentar e discutir com o público a sua Niobe. O espetáculo, que explora mais os silêncios da terra e do corpo nas suas contrações e limitações do que a palavra e os seus efeitos, retoma o mito clássico e busca recriá-lo desde a perspetiva da corporalidade. No final, a artista dialogará com o público e com dois convidados: a performer Cristiana Nogueira (do espetáculo Morte nos Olhos) e o ator e crítico de Arte Manoel Candeias.

Os Finalistas do Curso de Teatro e Educação deste ano da ESEC não podiam talvez adivinhar, no momento em que estrearam Cabaret Troia (a 10 de fevereiro, na Oficina Municipal de Teatro), que este em breve (e tragicamente) se volveria mais atual ainda do que já era à partida. A partir da estrutura das Troianas de Eurípides, mas com inteligentes acrescentos de outros textos do trágico ateniense e de outros autores modernos, o grupo constrói uma inteligente dramaturgia que, em palco, conta de forma enérgica, na ténue linha trágico-cómica que sempre foi a da estética do cabaret, o drama de uma casa noturna que busca sobreviver numa cidade tomada pelo exército invasor. Um espetáculo que é agora reposto no âmbito do Festival, no Teatro Paulo Quintela da FLUC - um espaço habituado (embora desacostumado) ao teatro clássico.

Teatro também é (e é-o em grande medida), espaço. E espaço é, antes de mais, memória, tanto subjetiva como coletiva. Com estas premissas, um coletivo de performers concebeu, propositadamente para a edição deste ano, o espetáculo itinerante Morte nos Olhos, que a partir da figura arquetípica de Medusa interroga e intervém sobre espaços do Mosteiro de Santa Clara-a-Velha.

A novidade é também apanágio da proposta do Thíasos, grupo anfitrião, que pela mão da veterana Daniela Pereira se atreveu a trabalhar sobre o texto da Alceste euripidiana e, numa dramaturgia que mistura textos de José Saramago (na qual colaborou também o signatário destas linhas), nos oferece agorao espetáculo O Que Fazer com Alceste? O título, que assume de forma gráfica as dificuldades de tratar em palco um mito e uma peça como esta, anuncia também um espetáculo que é, antes de mais, experimentação cénica, entre a tragédia e comédia, acerca da vida e da morte.

O FESTEA é uma das atividades de transferência e conhecimento aplicado levadas a cabo pelo projeto geral do CECH-UC, unidade apoiada pela FCT – Fundação para a Ciência e a Tecnologia. A nossa proposta, que se vem construindo há 23 edições, é aproximar o teatro de tema clássico e a sociedade, buscando, por um lado, fortalecer os vínculos entre a produção artística universitária e a cidade de Coimbra e, por outro, construir pontes com criadores e pensadores teatrais um pouco por todo o planeta.

Neste sentido, deixamos registado o nosso sincero agradecimento às diversas entidades apoiadoras e parceiras que tornam um festival (de modesta dotação orçamental) possível. Agradecemos também ao público, que dá sentido ao nosso festival. No ano em que retomamos a presencialidade total e sem restrições, mais do que nunca a presença e o gozo estético do público são o combustível que nos alimenta. [Texto de Carlos de Jesus]

Mais informações aqui: https://www.uc.pt/cech/investigacao/projecto-geral/festea/o-festival/2022-xxiii-festival/