Mandioca e as Viagens Filosóficas

JB

Jardim Botânico

Universidade de Coimbra

A mandioca, de nome científico Manihot esculenta Crantz, uma planta tóxica e, curiosamente, a mais consumida nalgumas regiões do mundo, tem o seu histórico, o presente e o futuro, ligados à Universidade de Coimbra

Nativa e trazida da América do Sul pelos Exploradores Portugueses durante os Descobrimentos do Século XVI, e então designada o “pão-dos-trópicos” (1), faz parte da coleção viva de plantas da Escola Médica do Jardim Botânico da Universidade de Coimbra (Figs. 1-3). Comprovado o uso médico na hipertensão, dor de cabeça e outras, síndrome do colon irritável e febre (folhas da variedade amarga de Manihot esculenta), é utilizada também pelos celíacos, como alimento alternativo ao trigo (2). As raízes e folhas frescas contêm linamarina e ácido hidrociânico em níveis que podem ser letais, mas se adequadamente tratado (processamento intensivo que pode incluir torrefação, imersão ou fermentação), o conteúdo de cianeto torna-se residual (2).

Por sua vez, os artefactos indígenas, utilizados na colheita, transporte, preparação e processamento prévios, indispensáveis para o consumo da planta, maligna se consumida diretamente, em cru (2), integram o acervo museológico da Amazónia na Universidade de Coimbra (3, 4), decorrente das Viagens Filosóficas do século XVIII do naturalista Alexandre Rodrigues Ferreira e enriquecido com recolhas já no século XX (5).

No Livro de Viagens do século XVIII protagonizadas por Ferreira (Fig. 4), naturalista e ex-discípulo em Coimbra do italiano Domingos Vandelli (5, 6), fundador e 1º diretor do Jardim Botânico e do atual Museu da Ciência da Universidade de Coimbra (6), o naturalista e explorador contacta com a planta (Fig. 5) e com os povos indígenas da Amazónia, e os utensílios, para a recolha, transporte e tratamento para consumo da mandioca, a maioria derivada de matérias naturais (6).

Por seu turno, verificámos em Angola, na povoação Zango/Zung (Quibala, no Kuanza Sul), procedimentos e artefactos utilizados pelos Povos, no processamento artesanal da mandioca, diferentes dos que são usados na Amazónia. Como regista o filme de 2018 (7), na preparação da farinha de mandioca, conhecida localmente por “fuba de bombom”, as mulheres usam “canguinhe”, designação local para as peças em madeira de pau-ferro (Caesalpinia ferrea), fabricadas pelas próprias, para triturar a mandioca e fazer a farinha.

A mesma planta, diversidade de utensílios no seu processamento, riqueza e diversidade patrimonial, consoante os povos e sua identidade e realidades naturais e culturais, suscetível de aprofundar e atualizar no futuro.