Ousadias e… Ousadias

CT

Cristina Tavares

Jardim Botânico da Universidade de Coimbra

Concluída em 1865, a Estufa Grande do Jardim Botânico da Universidade de Coimbra (JBUC), Henrique do Couto d'Almeida, o 12.º Diretor (1854-1867) e responsável pela construção, contratou para jardineiro-chefe Edmund Goëze, de Kew Gardens (Londres). Dinâmico, reuniu para a nova Estufa do JBUC cerca de mil espécies dos Açores (1866) e contactou jardins de todo o mundo (Europa, África, Brasil ou Austrália). Apesar do seu contributo notável, as relações entre o jardineiro-chefe e o diretor não seriam as melhores. Em 1867, Goëze ousou anunciar que, a manter-se Henrique Couto d’Almeida na direção, deixaria o JBUC, tendo o Conselho da Faculdade dado razão ao jardineiro-chefe, sendo Henrique Couto d’Almeida demitido em outubro do mesmo ano. Edmund Goëze ousou confrontar a hierarquia.

Também no século XIX, Júlio Henriques ousou o Progresso. Diretor do JBUC durante 45 anos (1873-1917), metade da sua vida (1838-1928, janeiro 15), em 1873 foi-lhe atribuída a disciplina de Botânica e Agricultura. No Jardim finalizou a Alameda das Tílias, reestruturou o Quadrado Central (±100 anos após a fundação), com canteiros concêntricos, introduziu as coleções de coníferas e eucaliptos e intensificou as trocas de plantas e sementes. Dirigiu expedições científicas para recolher espécies da flora portuguesa e, quase cem anos depois das “Viagens Philosophicas”, ressurge o estudo dos territórios portugueses ultramarinos, com Júlio Henriques. Escreveu sobre as culturas com interesse económico e compara o desenvolvimento agrícola tropical, em Portugal e outros países da Europa.

Iniciou nas estufas no JBUC (primeiro local na Europa), ensaios e a cultura da planta do quinino, o género Chinchona, com sementes de diferentes espécies provenientes do Jardim Botânico de Büitenzorg (Java). A partir da casca das espécies deste género extrai-se o quinino, primeiro tratamento eficaz para a malária, à época com forte incidência em Portugal continental e territórios ultramarinos. Seguiram-se ensaios da análise do quinino produzido, e a ilha de S. Tomé foi a mais propícia para a cultura, produzindo, alguns anos depois, quantidade suficiente para os territórios portugueses e para ser exportado.

Fundou o Museu Botânico, a Biblioteca de Botânica e o Herbário, e a primeira sociedade científica botânica do país, a Sociedade Broteriana (1880), em honra de Félix de Avelar Brotero, 1º diretor português do JBUC.

Criou e equipou laboratórios no Colégio de São Bento para o ensino e para a investigação. Incentivou as aulas práticas no laboratório e no campo, uma revolução no ensino da Botânica na Universidade de Coimbra. O professor adotava livros recentes e foi o primeiro em Portugal a divulgar Charles Darwin, nomeadamente na dissertação do Acto de Conclusões Magnas, em 1865, intitulada As espécies são mudáveis? De título sugestivo, nesta publicação Júlio Henriques assume o apoio à teoria da seleção natural, o primeiro “darwinista português” a ousar manifestar as suas opiniões na comunidade académica portuguesa.