Museu da Ciência desde 2006

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Ana Cristina Tavares

Museu da Ciência da Universidade de Coimbra

“No princípio, era o Verbo”, assim começa o Evangelho do apóstolo João sobre a criação do mundo, expressão que se refere ao princípio do espaço-tempo material do universo.

Por analogia: no princípio era a Universidade. Depois... o seu Museu. Ao lembrar alguns números redondos, datas relevantes e personalidades ligadas à génese e à história do Museu da Ciência da Universidade de Coimbra (MCUC), é incontornável chamar a instituição-mãe, e a relação com o Museu, que antes de ser designado da Ciência foi de História Natural. E é.

A 01 de março de 1290 a Universidade de Coimbra é fundada pelo rei D. Dinis e cinco séculos depois surge o Marquês de Pombal (1699-1782) como grande reformador dos Estudos Gerais da Universidade. Ministro do rei D. José I (1750-1777), foi constituído "plenipotenciário e lugar-tenente na restauração da Universidade” (carta régia de 28 de agosto de 1772), sob a direção do bispo de Coimbra, D. Francisco de Lemos, reitor da Universidade (decreto de 11 de setembro de 1772). O mais notável estadista do seu tempo é ainda hoje considerado uma das figuras mais marcantes, controversas e carismáticas da História Portuguesa (Fig. 1).

Na reforma iluminista dos estudos superiores, Pombal nomeou lentes estrangeiros, criou o observatório astronómico, o teatro anatómico, o dispensário farmacêutico, o jardim botânico e o museu de história natural, gabinete de física e laboratório químico. Estes três núcleos constituem os setores do Museu da Ciência, os dois primeiros ao Colégio de Jesus (Fig. 2), fundado em 1542 pela Companhia de Jesus, com o apoio do rei D. João III. Seria o primeiro Colégio Jesuíta em todo o Mundo e o maior de Coimbra, até à sua extinção, em 1759.

Entre 1773 e 1775 parte do edifico do Colégio foi cedido à Universidade para a instalação das Faculdades de Medicina e Filosofia e adaptado a Museu de História Natural, onde atualmente se encontra grande parte das Coleções.

A coleção de instrumentos científicos (580 objetos) oriunda do Colégio dos Nobres, em Lisboa (1773), foi integrada na sala Dalla Bella (século XVIII), naturalista italiano e fundador do Gabinete de Física. Em 1788 Giovanni Antonio Dalla Bella (1726-1823) faz o inventário e catálogo da coleção (Index Instrumentorum), ainda hoje organizada nos armários originais. Uma mesa de madeira maciça (Fig. 3) testemunha o ensino com cariz experimental, usada nos séculos XVIII e XIX durante as aulas de Física, primeiro por Dalla Bella, e na segunda Sala, de Figueiredo Freire (1786-1837) (Fig. 4), o terceiro diretor do Gabinete de Física. Responsável pela expansão da coleção para esta sala, Freire elaborou um novo catálogo (1824), com instrumentos do séc. XIX, preferencialmente funcionais e menos ornamentados.

Dois anfiteatros, da Física e da História Natural, ligam estas duas temáticas e respetivos espaços, e a Sala Vandelli (Fig. 5) acolhe coleções do reino animal, mineral e vegetal, acompanhadas por obras de história natural desde o século XVII e as coleções fundadoras. Provenientes do Museu de Vandelli, Pádua (1763) e do Gabinete de Vandelli da Ajuda (1772), as primeiras coleções foram doadas pelo naturalista italiano Domenico Agostino Vandelli (1730-1816), o primeiro diretor (1772). Aqui se inicia o percurso pelo mundo natural, integrando exemplares naturais diversos, monstruosidades e anomalias.

Segue-se a Sala das Viagens Filosóficas dos naturalistas do séc. XVIII (Fig. 6), ao tempo de Vandelli e seus discípulos, com documentos decorrentes da preparação das viagens e de algumas amostras recolhidas. Nesta época iluminista da ciência, as práticas de observação, análise e interpretação da natureza eram consideradas uma atitude filosófica e por isso as grandes expedições aos territórios ultramarinos se denominaram “Viagens Filosóficas”. O objetivo da Coroa era a demarcação geográfica, o reconhecimento das potencialidades naturais e económicas de cada região e das vivências e memórias dos povos. Exemplo das Máscaras Jurupixuna (Fig. 7), de uma etnia extinta, do acervo etnográfico recolhido na Amazónia por Alexandre Rodrigues Ferreira, aluno de Vandelli.

De seguida, o azul da Sala do Mar (Fig. 8), e os esqueletos da orca e da baleia, de dimensões impressionantes; à frente a Sala da África (Fig. 9), com o fóssil-vivo e endemismo do deserto de Moçâmedes, Welwitschia mirabilis Hook.f. , recolhido pelo Botânico Luís Carriço no início do séc. XX (Fig. 10). À Sala das avestruzes e dos répteis em líquidos (Fig. 11) segue-se a sala de Portugal, onde o lince ibérico Lynx pardinus (Themmink 1824) (Fig.12), um mamífero raro e ameaçado de extinção, apela à importância dos Museus e da Biodiversidade e Conservação da Natureza. Entretanto, uma outra Coleção, de Geologia, Minerais e Paleontologia, está patente numa Galeria (Fig. 13).

O edifício do Laboratório Chimico (Fig. 14), em frente ao Colégio de Jesus e que serviu como Refeitório até à expulsão dos Jesuítas, em 1759, foi adaptado em 1773 a espaço museológico. Até 1974-1999 serviu o Departamento de Química e de Engenharia Química e atualmente é a sede do MCUC, inaugurado em 2006, e acolhe a exposição permanente “Segredos da Luz e da Matéria” (Fig. 15) e a exposição dos Jesuítas “Visto de Coimbra”.

Este foi um périplo, de minutos, pela extensa história e diversificadas coleções do Museu, que em 2022 completa uma vida longa: 250 anos. E que prospere, em novos números redondos!!