Coleções do Mundo e Séculos de História Natural para a Humanidade

AT

Ana Cristina Tavares

Museu da Ciência da Universidade de Coimbra

Grande parte das coleções científicas da Universidade de Coimbra está alojada no seu Museu da Ciência (MCUC), em dois edifícios: o Colégio de Jesus (Fig. 1) e o Laboratório Chimico (Fig. 2).

A função do Colégio de Jesus (ou Colégio das Onze Mil Virgens) (Fig. 1) foi evoluindo com o tempo e a história da Universidade. Estabelecido em 1542 pela Companhia de Jesus, correspondia a um pedido do rei D. João III a Inácio de Loyola para preparar os sacerdotes para missões de evangelização na Índia e outros territórios de presença portuguesa. O Colégio de Jesus, com capacidade para mais de 200 alunos, corpo docente e pessoal auxiliar, foi o primeiro Colégio Jesuíta em todo o Mundo e o maior de Coimbra. Desempenhou um papel preponderante nos contactos internacionais da sua vasta rede entre a Europa, a África, o Brasil e a Ásia, centralizando conhecimento destes continentes a partir do século XVI e durante mais de dois séculos, desde a sua criação à sua extinção, em 1759.

Assim, a Companhia de Jesus instituiu o Colégio de Jesus e o Colégio das Artes em Coimbra, tendo os Colégios conimbricenses adquirido renome internacional e sendo ponto de passagem para estudo ou ensino de matemáticos e astrónomos jesuítas europeus, antes da partida em missão.

Coimbra publicou o Cursus Conimbricensis, o mais difundido e adaptado nos colégios europeus, adotado pela Ratio Studiorum nos colégios jesuítas da rede. Com a duração de quatro anos e editado entre 1592 e 1606, em oito tomos, servia ao estudo de Aristóteles e de Filosofia, e incluía manuais de Gramática e de Retórica. A sua interdisciplinaridade é patente em áreas tão diversas como arquitetura, antropologia, engenharia, filosofia, física, matemática, museologia, história, história de arte, história da ciência, num riquíssimo período da História, que associa Coimbra e Portugal ao resto do mundo.

O século XVIII trouxe o iluminismo e grandes reformas na Universidade, protagonizadas pelo 1º ministro do Rei D. José I, o Marquês de Pombal. Após a expulsão da Companhia, em 1759, Pombal prossegue a sua política de supressão do legado jesuíta tomando posse das construções e adaptando-as a novos usos, de cariz experimental. Entre 1773 e 1775 parte do edifico do Colégio seria cedido à Universidade para a instalação das Faculdades de Medicina, sendo adaptado para albergar o Museu de História Natural, sofrendo obras de reconstrução e apropriação ao ensino universitário experimental das ciências, tendo para isso integrado equipamentos e coleções de diferentes disciplinas de Ciências. A partir de 1910 todo o Colégio foi confiado à Universidade, com exclusão da igreja, torres dos sinos, claustro, sacristia e algumas dependências.

O Laboratorio Chimico (Fig. 2) foi construído entre 1773 e 1777 para o ensino da Química, materializando a ideologia iluminista do ensino experimental da ciência, sendo Domenico Agostino Vandelli (Pádua, 1730-Lisboa, 1816), o seu primeiro diretor. No decurso das obras os trabalhos arqueológicos revelaram que o edifício do séc. XVIII fora construído aproveitando a sala do refeitório que servia o complexo dos colégios jesuítas do séc. XVI (Colégio de Jesus e Colégio das Artes, ver Fig. 1). Constitui o edifício mais representativo de arquitetura neoclássica em Portugal, sendo contemporâneo do nascimento da química de Lavoisier. Foi adaptado a museu e inaugurado em 2006, mantendo o anfiteatro histórico e a sala original de trabalhos práticos, um laboratório, com o antigo núcleo de Química dos séculos XVIII e XIX. Na grande sala nascente foi instalada a exposição sobre Luz e Matéria que junta exemplares das diferentes coleções do MCUC, incluindo as coleções de física, química e astronomia.

Tomé Rodrigues Sobral (1759-1829) sucedeu a Vandelli. Na sequência da ocupação e saque de Coimbra pelas tropas napoleónicas, em 1 de outubro de 1810, o químico alargou as potencialidades do Laboratório quando o adaptou temporariamente ao fabrico de pólvora para as tropas defensoras da cidade e ficou conhecido como o “mestre da pólvora” (Fig. 3).

O Colégio de Jesus (Fig. 1), face a face com o Laboratorio Chimico (Fig. 2), mantém a designação inicial e alberga as coleções de física, zoologia, botânica, antropologia, geologia, mineralogia e paleontologia, bem como os núcleos museológicos originais do século XVIII, doados pelo primeiro diretor do Museu (1772), Domenico Agostino Vandelli, e provenientes de Pádua (Museu de Vandelli, 1763) e de Lisboa (Gabinete de Vandelli da Ajuda, 1772).

Marcas identitárias do MCUC, criado em 1772 na Reforma Pombalina: primeiro museu universitário e museu público em atividade mais antigo de Portugal e nas instalações de origem; alberga 9 coleções distintas (antropologia, botânica, física, mineralogia e paleontologia, zoologia, coleções do antigo Museu Nacional da Ciência e da Técnica, as coleções Académicas, química e astronomia); o mais importante e antigo núcleo histórico de coleções científicas em edifícios iluministas de Portugal e um dos núcleos universitários organizados desta época mais relevantes no mundo.