Desenho(s) … Entre o Sentido Utilitário e a Arte

AB

Ana Maria Bandeira

Arquivo da Universidade de Coimbra

Pegue-se num pedaço de papel, sem dimensão apropriada, sem corte uniforme e já reaproveitado de outros escritos. Faça-se nele um desenho de um camarão de olho aberto, de forma ligeiramente tosca, e escreva-se uma nota para o serralheiro que o há de fazer, sob as medidas indicadas…. E isto, aparentemente, não terá qualquer valor. Mas tem, se o desenho e as instruções para o serralheiro forem feitos por Manuel Alves Macomboa e, sobretudo, se este o assinar. E é este o desenho a lápis, com finalização a tinta, que temos presente.

Certamente, o camarão de olho aberto foi imprescindível para dar acabamento e segurança a alguma obra na capela-mor do Hospital como refere: “p.ª a cap.la maior do Ospital”. Este terá sido um dos muitos trabalhos que o arquiteto das obras da Universidade orientou. Não estando datado, este desenho foi elaborado depois de 1773, pois é em outubro desse ano que Macomboa chega a Coimbra, para trabalhar como mestre carpinteiro, mas, passados alguns anos, em 1782, assume o cargo de arquiteto das obras pombalinas, após a morte do anterior arquiteto, Guilherme Elsden.

E aqui fica também o testemunho de como o Arquivo da Universidade de Coimbra guarda “nos seus escaninhos”, como soía dizer-se, não só valiosos e belos documentos, mas também a singeleza de um desenho, saído da mão de um homem que acompanhou a construção dos edifícios pombalinos da Universidade, assim como a construção ou reparos de muitas igrejas que pertenceram ao Padroado da Universidade, em diversos locais do país.

O desenho a lápis, bem delineado, nos contornos das flores, folhas e caules, assim como o esbatimento suave, deixam nesta composição floral um esboço de gerânios que, certamente, se destinava a algum quadro a óleo, dos muitos que a andaluza Josefa Greno pintou. Infelizmente, a sua carreira como pintora terminou no dia em que assassinou o seu marido, também ele pintor, num acesso de loucura, como ilustres médicos, como Miguel Bombarda, afirmaram então, numa madrugada do dia 26 de junho de 1901.

Terminava assim a sua carreira de pintora, feita em aprendizagem com seu marido, Alfredo Greno, e nos salões de pintura em que participou, não raras vezes, ganhando prémios. A sua vida terminaria no Hospital de Rilhafoles, onde faleceu em 28 de janeiro de 1902.

Deve-se a João Jardim de Vilhena (1873-1966) a aquisição deste esboço, assim como alguns outros, que teve a generosidade de, como bibliófilo, colecionador e filantropo que era, doar ao Arquivo da Universidade de Coimbra. Alguns desses esboços e desenhos são da autoria de outras mulheres pintoras, contemporâneas de Josefa Greno, como Fanny Munró e Albertina Falkner, exemplos femininos no mundo artístico oitocentista, maioritariamente masculino.