/ Como se Desenha uma Investigação

À procura de uma forma mais simples de monitorizar e prescrever exercício físico

O interesse pela Bioquímica viveu sempre lado a lado com o interesse pelas Ciências do Desporto, desde a altura em que Pedro Valente, estudante do doutoramento em Ciências do Desporto da Faculdade de Ciências do Desporto e Educação Física da Universidade de Coimbra, frequentou a Universidade de Verão da Universidade de Coimbra (UC). O projeto de doutoramento Identification and validation of novel machine learning-based markers in sports physiology and medicine, orientado por Luís Rama e coorientado por Paulo Oliveira e por Ana Teixeira, surge precisamente de um encontro, que se espera feliz, entre as duas áreas. A investigação, que nasce da articulação entre o Centro de Neurociências e Biologia Celular da Universidade de Coimbra e a Faculdade de Ciências do Desporto e Educação Física da UC, pretende vir a criar uma nova técnica, sustentável e simples, que permita, por um lado, analisar a prática de exercício, e, por outro, a prescrição eficiente e de acordo com as necessidades de cada pessoa.

Qual é o objetivo do teu projeto de investigação?

No meu projeto de investigação, estamos a tentar aplicar uma nova metodologia, a utilização da Transformada de Fourier aplicada à espetroscopia infravermelha, como uma possível técnica para a análise de amostras biológicas – sangue, urina e saliva – e a sua consequente aplicação na análise e prescrição de exercício físico em sujeitos normais, mas também em atletas. No primeiro grupo, a utilização da técnica será mais orientada para a saúde, e, no segundo grupo, para o rendimento.

Que importância pode ter este projeto no contexto atual das Ciências do Desporto?

Hoje em dia, temos um grande problema: o sedentarismo. É importante percebermos o que se passa na sociedade, mas é igualmente necessário encontrarmos formas de levar o exercício físico às pessoas. E, adicionalmente, importa perceber como é que podemos tornar o exercício cada vez mais eficiente depois de chegar às pessoas, tendo sempre em mente que o exercício físico é específico e tem de ser enquadrado nos objetivos e no metabolismo de cada indivíduo. Foi neste contexto que surgiu este projeto, que pretende encontrar uma técnica sustentável, barata e acessível, que permita perceber as especificidades de cada indivíduo no contexto da prática de exercício, e que seja passível de usar em todas as pessoas da comunidade.

O projeto surge também porque considero que a ciência se tem afastado da comunidade e isso acaba por fazer com que as pessoas não percebam a importância que ela tem. Esta falta de contacto entre ciência e sociedade não faz qualquer sentido. E espero que este projeto possa contribuir para que se continuem a criar pontos de convergência entre a sociedade, principalmente a comunidade de Coimbra, e a área do meu projeto de investigação.

No futuro, prevês que esta técnica possa ser aplicada por outras pessoas, caso seja bem-sucedida?

Se esta técnica de monitorização e prescrição de exercício físico funcionar – que é o que estou a tentar provar com a minha tese de doutoramento – qualquer pessoa que tenha acesso ao hardware e software que estou a utilizar, e que tenha uma base de dados adequada, pode vir a fazer também este trabalho.

Com que pessoas estás a testar o uso desta técnica de monitorização e prescrição de exercício?

Vou avaliar cerca de 60 voluntários, trabalho esse que já arrancou. Neste momento, estou a acompanhar 15 pessoas, que tinham interesse em fazer exercício, mas que, por algum motivo – por falta de orçamento ou de motivação, por exemplo – não conseguiam fazer. O perfil das pessoas que estou a acompanhar é muito diversificado, pois acompanho pessoas com excesso de peso, com obesidade ou que são sedentárias há muitos anos. Este trabalho tem sido uma oportunidade para mudarem os hábitos e começarem a ser mais saudáveis. E é também isso que me deixa satisfeito, porque sei que estou a contribuir para a saúde destas pessoas.

Depois desta etapa da investigação, vou também fazer trabalho junto de atletas, dado que, além da monitorização e prescrição de exercício físico, o projeto pretende também deixar uma impressão digital para a prevenção de overtraining [de uma forma muito simples, o que acontece quando o excesso de treino tem implicações na performance do atleta, podendo chegar a uma eventual lesão crónica]. Apesar de haver muita gente a trabalhar a área do alto rendimento, ainda é preciso sabermos mais. Por exemplo, não existe nenhum biomarcador, um elemento que nos permita identificar esse excesso de treino. E o projeto que estou a desenvolver também tem possibilidade de contribuir para perceber este problema, através de uma análise diferente e mais simples, que permita uma nova forma de interpretação de análises bioquímicas.

Tenho procurado recrutar participantes da comunidade da Universidade de Coimbra, utilizadores de um ginásio da cidade de Coimbra (o PHIVE) e colaboradores de empresas de Coimbra , mas tenho também procurado recrutar voluntários junto de outras entidades, como é o caso da Erasmus Student Network. Quem quiser participar neste estudo, pode contactar-me através do e-mail pedro.valente@cnc.uc.pt.

O que te levou a escolher trabalhar esta área na tua investigação de doutoramento?

Quando acabei o mestrado em Biocinética, queria muito fazer investigação na área da Bioquímica e, na altura, falei com o professor Guilherme Furtado, que me disse que iriam abrir cursos de verão da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), no âmbito do programa “Skills 4 pós-COVID”, que ele considerava serem uma boa oportunidade de formação. Acabei por frequentar um desses cursos no Centro de Neurociências e Biologia Celular da Universidade de Coimbra, onde conheci o professor Paulo Oliveira, uma das pessoas mais atenciosas e altruístas que já conheci na vida, em conjunto com os meus orientadores que tive a sorte de ter.

Quando acabei esse curso, falei com ele e referi que gostaria muito de trabalhar nesta área, já com uma leve ideia do que gostaria de fazer. O professor Paulo achou a ideia ótima e sugeriu trabalhá-la em parceria com uma empresa alemã que estava ligada a esta área e que tinha criado o hardware e software que estou a usar na investigação. Estive na Alemanha 4 meses a trabalhar nessa empresa, o que me permitiu perceber com mais clareza o potencial que este projeto pode vir a ter. Neste processo, também foi muito importante confiar nos meus orientadores e no seu conhecimento sobre os temas que pretendia trabalhar.

Como é que a possibilidade de fazer um doutoramento surgiu no teu caminho?

Frequentei a Universidade de Verão da Universidade de Coimbra em duas edições e, nas duas participações, escolhi sempre a área de Ciências do Desporto. E nas atividades em que tive a oportunidade de participar percebi que queria seguir esta área no ensino superior. Entrei na licenciatura em Ciências do Desporto e, naquela altura, a Faculdade de Ciências do Desporto e Educação Física da UC ainda não tinha o laboratório que tem hoje. E eu sempre tive muito presente a Bioquímica como uma área que era muito importante estudar. Depois, fiz o mestrado em Biocinética, altura em que conheci os meus orientadores, o professor Luís Rama e a professora Ana Teixeira. E o processo de ligação entre nós foi gradual, eles foram percebendo os meus objetivos e onde pretendia chegar. Parei um ano entre o mestrado e o doutoramento, que dediquei à preparação da candidatura para as bolsas de doutoramento da FCT, e acabei por começar o 3.º ciclo de estudos em 2021.

Quais é que têm sido os maiores desafios neste processo de fazer doutoramento?

Aquilo que é mais desafiante é saber que o projeto é tão grande que os resultados só vão chegar no final – se chegarem. Por exemplo, neste momento, estou a fazer análise de pessoas, tenho dados em bruto e só quando os analisar é que vou perceber se tenho algo que é, de facto, impactante para a minha investigação. E isto significa que, mesmo que não tenha nada do que planeava, vou ter de entregar a tese na mesma. Mas isto é legítimo e faz parte de fazer ciência, embora seja também a parte mais difícil.

Além disso, diria que as etapas de trabalho que vamos definindo também são desafiantes, mas também nos ajudam a definir onde e quando queremos atingir determinados objetivos. Sinto que se não as tivesse colocado me teria perdido, porque sem essas etapas é fácil fugirmos do rumo certo.

E como é que tens lidado com esses dois desafios, a incerteza dos resultados e o cumprimento das várias etapas?

Olho para a gestão deste projeto como se fosse a gestão de uma empresa. Tal como na gestão de uma empresa, há coisas que correm bem e outras que correm mal. Um dia, vou acabar por ter uma auditoria em que vão avaliar se a minha empresa é ou não bem-sucedida. Acho que as pessoas que me vão avaliar não vão olhar apenas para certos momentos, mas sim para o produto final. Neste processo, o que me tem ajudado é a boa relação que tenho com os meus orientadores, que me ligam para perceber como está a correr e para organizar o trabalho. É fundamental ter confiança com os orientadores, que nos permita ter à vontade para falar sobre o que considerarmos necessário.

Produção e Edição de Conteúdos: Catarina Ribeiro, DCOM e Inês Coelho, DCOM

Fotografia: Paulo Amaral, DCOM

Edição de Imagem: Sara Baptista, NMAR

Publicado a 31.10.2022