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Preparar o caminho para antecipar e desarmar crises epiléticas

Antecipar e desarmar crises epiléticas: utopia ou futuro? é o tema do projeto de investigação de Mauro Pinto, estudante do Doutoramento em Ciências e Tecnologias da Informação no Departamento de Engenharia Informática da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, orientado e coorientado por César Teixeira e Pedro Martins. O poder e a complexidade da rede neuronal é um dos grandes desafios deste projeto, através do qual procura desenvolver algoritmos de inteligência artificial que façam a melhor previsão possível das crises de epilepsia. Em simultâneo, procura que esses algoritmos sejam capazes de assegurar a segurança de doentes e o entendimento das equipas médicas, respeitando sempre a ética e a legislação em vigor. Neste caminho de aprendizagem, Mauro Pinto procura, assim, abrir caminho nesta área de investigação para que, no futuro, outros/as investigadores/as possam fazer uso deste legado na antecipação dos episódios de epilepsia.

Qual é objeto de estudo da tua investigação de doutoramento?

Podemos dizer que o meu objeto de estudo é como uma criança. E por que motivo é uma criança? Porque os algoritmos com os quais trabalho são algoritmos de inteligência artificial que aprendem com exemplos que lhes vou dando. E acho que o melhor exemplo para este processo de aprendizagem é precisamente uma criança, que vai evoluindo a partir dos exemplos que lhe vamos dando. Com os algoritmos, acontece exatamente o mesmo.

Que novos entendimentos pretende trazer o teu projeto de investigação?

Cerca de 1% da população mundial sofre de epilepsia e, nesse universo, cerca de um terço sofre de epilepsia resistente à medicação. Ou seja, por mais medicação que seja utilizada, as pessoas não vão deixar de ter ataques epiléticos. Neste quadro, a única solução passa por, provavelmente, conseguir antecipar e prever estes episódios e efetuar uma intervenção. No que diz respeito à intervenção, há várias tipologias de solução em cima da mesa. Uma das soluções pode ser feita através de uma cirurgia, que passa pela implementação de um dispositivo na cabeça que vai medir a atividade cerebral e identificar momentos de hiperexcitabilidade, em que o cérebro está quase como que a entrar em curto-circuito. Este mecanismo faz uma eletroestimulação numa parte do cérebro que consegue parar esse curto-circuito no momento certo. Mas este processo é complicado, por ser muito invasivo, e comporta vários riscos. Uma outra solução, que é a que tenho procurado investigar, passa por utilizar algo externo (como, por exemplo, um boné que meça a atividade cerebral) que emita um aviso para que a pessoa pare o que está a fazer ou para que tome medicação de urgência recomendada. Claro que neste processo há sempre o desafio de saber qual é o momento certo para atuar, principalmente na toma da medicação que tem momentos certos e definidos de atuação para produzir efeitos. Este é o contexto em que se insere o meu projeto de doutoramento.

Esta área de investigação existe há mais 40 anos e ainda não há uma solução. Já há alguns estudos, mas devido a questões éticas e financeiras tem sido um processo demorado. É neste contexto que desenvolvo a minha investigação, a partir dos estudos que têm vindo a ser feitos. E perante o que já se sabe, tenho procurado fazer provas de conceito com os dados existentes, seja de algoritmos que eu próprio crio, seja através de questões de legislação e questões sociológicas. E faço estas provas de conceito para que depois, no futuro, alguém as possa testar quando tivermos também mais dados reais de pessoas com epilepsia.

Quais são as principais técnicas de pesquisa utilizadas?

Como referi anteriormente, estou a preparar o caminho para quem vier a seguir investigar esta área e para responder a várias questões que poderão aparecer. Neste contexto, a questão central do meu método de trabalho tem que ver com a interpretabilidade. E o que é que é isto? Há ainda um grande ceticismo na utilização de algoritmos de inteligência artificial na Medicina (um cuidado que eu considero que deve existir) e também há um grande desafio de compreensão da complexidade das redes neuronais, que é humanamente incompreensível. Ou seja, não conseguimos explicar o algoritmo a um humano e, portanto, temos que nos preocupar com os exemplos, para tornar tudo mais claro. E é por isso que tento perceber como é que poderemos mitigar o ceticismo e a barreira de explicação de um algoritmo, porque temos que saber explicá-lo tanto a um médico, como a um doente. Temos que saber explicá-lo a um médico porque, por razões éticas, ele tem que saber o que está a acontecer fisiologicamente e perceber como é que os novos dispositivos funcionam. E temos também a legislação que nos obriga a explicar como funcionam estes algoritmos, porque muitas vezes a tecnologia cresce muito mais rapidamente do que a nossa compreensão sociológica sobre ela. O que tenho tentado fazer é desenvolver os meus próprios algoritmos, que vão buscar características próprias destas redes neuronais complexas para desenvolver um processo muito mais simples.

E como é que faço isto? Uso uma coisa chamada algoritmos evolucionários. E uma boa metáfora para perceber isto é pensar no nosso cérebro como um mapa de estradas. Neste mapa de estradas, sabemos que quando há uma crise de epilepsia há uma estrada que não está a funcionar bem. E procuro perceber qual é o momento em que o percurso nesse caminho causa, de facto, problemas. Neste quadro, os algoritmos completos (ou seja, as redes neuronais) pegam no cérebro inteiro e fazem relações entre estas tais estradas, de uma forma tão complexa que nós não a compreendemos. Para contornar este desafio, utilizo algoritmos evolucionários, que em vez de procurarem o caminho inteiro, vão procurar os pontos-chave das estradas. E qual é que é o problema deste método? Num mapa inteiro, há imensas placas, imensos pontos-chave. E, por isso, é necessário fazer uma procura inteligente. Durante a minha pesquisa, fui percebendo que estes algoritmos são muito interessantes e é possível explorá-los, mas a sua performance é ainda fraca perante aquilo que é necessário.

No decorrer desta investigação, fui também percebendo que é necessário entender o processo de trocas de informação com os médicos e doentes. E para o compreender, utilizei ferramentas da área da Sociologia. Analisei artigos de opinião e fui falar com médicos para procurar perceber como é que, sociologicamente, podemos lidar com estes algoritmos. E fui chegando à conclusão de que podemos utilizar os algoritmos complexos. Não precisamos de os perceber na sua totalidade, desde que tenhamos alguns aspetos fundamentais em conta para compreender as crises de epilepsia e os riscos e benefícios dos tratamentos.

Na parte final do doutoramento, vou pegar nos algoritmos mais complexos, vou desenvolver modelos e vou procurar garantir tudo o que seja necessário para dar confiança a um médico sem ter que explicar a complexidade desta rede neuronal. E são eles é que me vão dizer se confiam e o que falta ou não neste processo de entendimento.

Como é que a possibilidade de fazer um doutoramento surgiu no teu caminho?

Quando terminei o curso, acabei por ser pressionado pelos meus pais para encontrar um trabalho e não tinha grande vontade para trabalhar numa empresa. Acabou por surgir a oportunidade de frequentar este doutoramento e trabalhar com os meus orientadores (com quem já tinha trabalhado na dissertação de mestrado na área da esclerose múltipla). Acabei por apresentar uma candidatura ao concurso para a atribuição de bolsas de doutoramento da Fundação para a Ciência e a Tecnologia e consegui uma bolsa e foi isso que acabou por me fazer ficar cá a fazer o doutoramento.

Quais são os maiores desafios do processo de construção de um projeto de investigação de doutoramento?

Acho que o doutoramento é uma lição de humildade. A definição de sucesso na investigação passa, muitas vezes, por conseguir grandes resultados e uma grande descoberta. E acho que esse sucesso depende maioritariamente do lugar, do tempo e do projeto e não da nossa qualidade. E o que importa verdadeiramente é fazermos o nosso trabalho, de forma honesta e rigorosa. Durante este processo de trabalho temos muitas incertezas e não há mal nenhum em admitirmos que não sabemos. O doutoramento tem conseguido ensinar-me isto, a saber admitir quando não sei. E isso acaba por ser libertador. Acho que as falhas acabaram por me ensinar muito, seja um artigo que foi rejeitado ou um bloqueio no processo de investigação. Aprendi muito com todo o processo.

Gostarias de partilhar algumas dicas com os/as estudantes que estão também a desenvolver um projeto de investigação?

Acho que as pessoas se devem preparar para ter um projeto de tese que parece perfeito, mas que passado algum tempo vão perceber que também tem as suas fragilidades. Preparem-se para pensar em mudar várias vezes o vosso plano de trabalhos. E está tudo bem se isso acontecer!

Produção e Edição de Conteúdos: Catarina Ribeiro, DCOM e Inês Coelho, DCOM

Fotografia: Paulo Amaral, DCOM

Edição de Imagem: Sara Baptista, NMAR

Publicado a 30.09.2021