/ Como se Desenha uma Investigação

Olhar o cérebro à microescala em busca de novas informações para entender as perturbações do neurodesenvolvimento

Na sala de aula do ensino secundário, a área das Ciências Sociais era uma possibilidade para o futuro percurso de Mariana Laranjo no ensino superior. Acabou por seguir caminho nas áreas de Bioquímica e Biologia, mas as Ciências Sociais mantiveram presença na vida da estudante de doutoramento do Instituto de Investigação Interdisciplinar da Universidade de Coimbra, quando a comunicação de ciência apareceu na sua vida. Frequenta atualmente o doutoramento em Biologia Experimental e Biomedicina, estando a desenvolver, no Centro de Neurociências e Biologia Celular da Universidade de Coimbra, o projeto de investigação “Dissecção do papel dos neurónios inibidores positivos para a paralbumina nos fenótipos celulares e comportamentais associados à deleção de Gprasp2” ou, como ditam as boas regras de comunicação de ciência, “Qual é que papel dos neurónios inibitórios para o (des)equilíbrio na atividade neuronal no contexto da deleção da Gprasp2?”. Orientado por João Peça, o projeto pretende, a partir de investigação fundamental em neurociências, adicionar novas peças ao puzzle que tem permitido saber mais sobre as perturbações do neurodesenvolvimento, em particular as perturbações do espectro do autismo.

Qual é o objetivo do teu projeto de investigação?

Sabemos que quando ocorrem alterações na forma como decorre a transmissão entre neurónios no nosso cérebro, quer ao nível das sinapses (a forma como os neurónios comunicam), quer ao nível de alterações nos circuitos neuronais, isto pode levar ao desenvolvimento de algumas patologias, como perturbações do neurodesenvolvimento e, mais especificamente, perturbações do espectro do autismo. O que estamos a tentar perceber com este projeto de investigação é o papel de um grupo específico de neurónios – os neurónios inibitórios e, dentro desses neurónios, os neurónios que expressam paralbumina – nas doenças do neurodesenvolvimento, em particular quando associados a uma alteração genética num gene específico, o Gprasp2.

Para clarificar um pouco mais o que estamos a fazer, posso usar como exemplo uma estrada. Nas nossas estradas, temos, por exemplo, sinais de trânsito que nos dão indicações sobre as regras a cumprir e semáforos que indicam quando e onde devemos parar. E o mesmo acontece no nosso cérebro! Temos os neurónios inibitórios que têm funções similares ao sinal de STOP ou aos semáforos, que tornam possível a transmissão de informação de uma forma equilibrada, a uma determinada velocidade e por um determinado caminho na nossa estrada neuronal. Quando há disfunção neste tipo de neurónios, é como se a informação passasse muito rápido ou de uma forma não correta e, por isso, não vai para o sítio certo. E o que é que acontecesse quando há esta desregulação entre a inibição e a excitação? É isso que estou a estudar através de um modelo animal.

Que novos entendimentos pretendes trazer com este projeto?

Temos consciência que o que estamos a fazer é olhar à microescala. Estamos a fazer investigação em neurociências na parte mais fundamental para perceber o circuito em si e como é que ele se posiciona quando acontecem perturbações no sistema inibitório através de um modelo animal. E como as perturbações do espectro do autismo são muito heterogéneas, há sempre necessidade de adicionar peças ao puzzle para conseguirmos perceber melhor o que está a acontecer. E, olhando para o futuro, aquilo que gostaria de conseguir fazer seria adicionar mais informação a esta área e, de certa forma, contribuir para o caminho que está a ser feito na descoberta das perturbações do neurodesenvolvimento.

Quais têm sido os maiores desafios neste processo de construção de um projeto de doutoramento?

O primeiro desafio é o desenho do projeto, quando temos de pensar na investigação que queremos desenvolver e no caminho que queremos seguir ao longo de, no meu caso, quatro anos de doutoramento. É importante encontrar um tema do qual gostamos e um laboratório que possa suportar a ideia que queremos desenvolver.

Depois desta fase, os desafios estão relacionados com imprevistos e com gestão de tempo. Temos um tempo específico para delinear e fazer as nossas experiências e precisamos de saber gerir o tempo, porque num doutoramento trabalhamos de forma muito autónoma. Mas, apesar de ser um grande desafio, também nos permite adquirir novas habilidades em termos de gestão de tempo.

A gestão de expectativas é também um grande desafio. Por vezes, criamos uma expectativa muito grande que tem de ser ajustada ao longo de tempo e precisamos de ter alguma flexibilidade para, consoante os resultados que vamos tendo, conseguir gerir os objetivos e ajustar o nosso percurso.

Destacaria ainda o desafio de comunicarmos a nossa ciência ao longo do tempo e não esperarmos que ela esteja finalizada. E devemos comunicar o nosso projeto junto de colegas de laboratório que estão a fazer o mesmo percurso do que nós ou que já o fizeram e do público em geral, para contribuirmos para a literacia e para que se valorize cada vez mais a ciência.

A comunicação de ciência também tem feito parte do teu percurso. Como é que nasce a ligação a esta área?

O Gabinete de Comunicação de Ciência do Centro de Neurociências e Biologia Celular da Universidade de Coimbra é uma grande vantagem para quem aqui trabalha, porque tem diferentes iniciativas e nos desafia a entrar em atividades de comunicação de ciência. Sempre gostei muito de participar nessas atividades e sentia que, mesmo estando fora da minha zona de conforto, era algo que me estava a fazer crescer.

No seguimento deste gosto que foi crescendo, surgiu a hipótese de criar um projeto, durante a pandemia, com a Catarina Seabra, que também fazia parte do nosso grupo de investigação, o Grupo de Circuitos Neuronais e Comportamento, chamado Brain Gain, porque queríamos levar as neurociências aos alunos dos ensinos secundário e superior para lhes mostrar o que é ser um neurocientista. A nossa missão é que conheçam desde cedo os neurocientistas, ainda durante o 12.º ano ou na licenciatura, para que não seja preciso esperarem até ao mestrado para terem contacto com esta área. E fazemos este trabalho junto de alunos portugueses, mas também de fora de Portugal, mostrando a qualidade do trabalho que é feito no nosso país na área das neurociências.

Seguir caminho na investigação estava nos planos desde a tua chegada ao ensino superior?

Quando estava no ensino secundário, achava que iria seguir caminho noutra área diferente da Bioquímica, como Arquitetura, Jornalismo, Direito ou Economia. Entre o 11.º ano e 12.º ano, comecei a ganhar muito interesse pela Biologia e pela Bioquímica, muito graças às minhas professoras. Quando ingressei em Bioquímica no ensino superior, comecei a ganhar, pouco a pouco, interesse pela investigação, porque o trabalho em laboratório era o que me trazia mais motivação e conforto.

Inicialmente, comecei a fazer investigação numa área relacionada com os metalofármacos como forma de terapia para o cancro. O contacto com as neurociências acaba por acontecer no mestrado em Biologia Celular e Molecular e foi aí que percebi o quanto gostava desta área e que surgiu a possibilidade de me juntar ao laboratório onde estou até hoje.

Neste caminho, o ingresso no doutoramento acaba por surgir de uma forma muito natural, assim que percebi que estava motivada para responder a perguntas nesta área. Porque o que mais me motiva é a curiosidade e esta necessidade de saber mais.

Que conselhos darias a alguém que esteja a pensar fazer um doutoramento?

Os conselhos que vou deixar estão um bocadinho condicionados pela minha experiência. E começo desde logo por mencionar que, se pudesse falar com a Mariana no início do doutoramento, diria para estar preparada para começar um processo de crescimento muito grande.

É muito importante gostarmos daquilo que estamos a fazer, porque a motivação não vai estar sempre lá e precisamos de a ir buscar a algum lado. Também é muito importante termos uma boa rede à nossa volta – as pessoas que estão connosco no laboratório, os nossos amigos e a nossa família – para que este caminho seja menos solitário. A comunicação é também muito importante ao longo do processo, e não devemos falar apenas quando estamos cheios de dúvidas, devemos ir partilhando as questões que temos com os outros à medida que elas vão surgindo.

A saúde mental é também muito importante. E, por isso, gostaria de dizer que se acham que não estão bem, devem pedir ajuda. Não há problema em pedir ajuda e a Universidade de Coimbra tem vários apoios para estudantes de doutoramento.

Por fim, diria para comunicarem a vossa ciência. É importante falarmos do nosso tema de uma forma mais descontraída e aproveitar as oportunidades que surgem para nos desafiar ao longo deste caminho para que seja menos solitário.

Produção e Edição de Conteúdos: Catarina Ribeiro, DCOM e Inês Coelho, DCOM

Fotografia: Paulo Amaral, DCOM

Edição de Imagem: Sara Baptista, NMAR

Publicado a 09.03.2023