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O papel da pré-reabilitação oncológica para assegurar a autonomia e a qualidade de vida de doentes

É entre o Serviço de Medicina Física e de Reabilitação do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra e a Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra (FMUC) que a Joana Santos Costa tem dividido o seu percurso profissional. Sarcopenia na cirurgia do cancro do pâncreas - o papel da pré-reabilitação é tema da tese que a estudante do doutoramento em Ciências da Saúde da FMUC está a desenvolver, orientada por João Páscoa Pinheiro e coorientada por Henrique Alexandrino. A autonomia e a qualidade de vida das/os doentes sempre moveram a Joana na profissão que escolheu. E foi na Medicina Física e de Reabilitação que encontrou espaço para concretizar a sua missão de cuidar e salvar.

Qual é o objetivo do teu projeto de investigação?

O projeto que estou a desenvolver intitula-se Sarcopenia na cirurgia do cancro do pâncreas - o papel da pré-reabilitação e, essencialmente, passa por identificar, caracterizar e intervir na sarcopenia, que é uma condição clínica que corresponde à diminuição da força e da massa muscular e que é muito frequente nos doentes oncológicos. Estudo, em particular, o cancro do pâncreas, que é uma patologia atualmente com incidência crescente, apesar de todos os esforços que têm vindo a ser feitos, e que tem um prognóstico particularmente lúgubre.

A cirurgia integra uma das opções terapêuticas, sendo a única (associada ou não a terapêuticas adjuvantes) que traz a possibilidade de cura ao doente. No entanto, é extremamente invasiva. E a sarcopenia, que é particularmente frequente no cancro do pâncreas, agrava o prognóstico, porque se traduz numa condição pré-cirúrgica particularmente desfavorável. Pode significar perda de elegibilidade cirúrgica ou, sendo operado, traduzir-se em maior risco de complicações, reinternamentos, perda de autonomia, necessidade de cuidados prolongados no pós-operatório e mesmo menor sobrevida global.

Que novos entendimentos pretende trazer este projeto?

Pretende intervir no estado pré-operatório da cirurgia oncológica pancreática de forma a mudar o impacto a longo prazo. A proposta é que uma intervenção pré-operatória dirigida melhora a condição física com que o doente vai à cirurgia – particularmente na questão muscular, funcional e aeróbica –, diminuindo, assim, os riscos cirúrgicos, facilitando a sua recuperação pós-operatória e melhorando a autonomia e a qualidade de vida posterior.

Quais são as principais técnicas de pesquisa que utilizas para desenvolver este trabalho?

A principal intervenção neste projeto de investigação passa por um programa de reabilitação, que chamamos de pré-reabilitação por ser pré-operatório. É feito, naturalmente, em articulação com a equipa oncológica e cirúrgica e realizado por uma equipa de reabilitação constituída por um médico especialista em Medicina Física e de Reabilitação, enfermeiros de reabilitação e fisioterapeutas. Esse programa tem um componente aeróbico, de resistência e um componente funcional. Tudo isto é feito com base em orientações gerais, que depois são individualizadas para cada doente. Ao longo do tempo, vamos fazendo avaliações da força muscular, da massa muscular, da qualidade muscular, da capacidade funcional e da qualidade de vida, utilizando avaliações clínicas, escalas, técnicas analíticas, histológicas e imagiológicas.

E do ponto de vista da revisão da literatura, como tem decorrido este processo?

Essa parte também tem sido desafiante. Por norma, os programas de reabilitação são difíceis de estabelecer. E essa é uma das particularidades de investigar em reabilitação. Não funciona como um medicamento, em que conseguimos definir uma posologia concreta, isto é, dizer que se deve tomar determinada dose, um número de vezes, durante determinado período de tempo. Um programa de reabilitação é um trabalho de equipa complexo e para que seja possível retirar verdadeiras ilações da sua aplicação temos que saber efetivamente, na prática, o que estamos a fazer. É também por causa desta diferenciação que existe alguma heterogeneidade nos estudos e nos resultados. Por isso, temos que acompanhar todo o processo, desde o diagnóstico da patologia até à intervenção e decidir o que faz mais sentido aplicar. Em particular, na pré-reabilitação pancreática não existe ainda nenhum programa estruturado. As intervenções, no geral, são benéficas, mas as particularidades da intervenção ainda não estão bem consolidadas. Há ainda muito para investigar, é um tema muito recente.

Como é que surgiu a ideia de trabalhar este tema relacionado com a pré-reabilitação oncológica?

Ao longo do internato médico, fui conhecendo melhor o mundo da reabilitação. A ideia, mais generalista, que tinha da especialidade no início do internato, acabou por se transformar numa agradável surpresa tendo em conta que existem áreas muito diferenciadas. Entre elas, a reabilitação oncológica acabou por me fascinar em particular, pelo impacto que tem na qualidade de vida do doente oncológico.

A reabilitação oncológica cresceu muito recentemente à custa do sucesso, de forma geral, de todas as áreas que intervêm na Oncologia. A verdade é que agora conseguimos que o doente sobreviva mais tempo graças a tudo o que tem sido feito: o rastreio, a prevenção, os tratamentos cada vez mais eficazes e mais seguros. E com o aumento da longevidade, interessa apostar na qualidade de vida e na autonomia dos doentes, revertendo ou minimizando as sequelas da doença oncológica e/ou dos tratamentos a ela dirigidos.

A oportunidade de desenvolver o tema da pré-reabilitação surgiu, em particular, da estreita colaboração com o Serviço de Cirurgia Geral do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, que tem inclusivamente um Centro de Referência para Oncologia de Adultos Hepatobiliopancreática.

E o teu interesse por um percurso na área da Medicina Física e de Reabilitação, como é que surge?

Foi um interesse que foi surgindo. No início, tinha uma visão muito abrangente e precisei de conhecer as várias áreas na prática. Inicialmente, estava até muito dividida entre áreas médicas e cirúrgicas. Embora com a certeza da Medicina, não tinha pensada uma opção de especialidade muito rígida. Fui sentindo a necessidade de encontrar algo que fizesse a diferença na vida dos doentes. Todos os médicos têm esta perspetiva, ainda que de forma diferente conforme a especialidade. Mas para mim foi isso que me fez seguir o caminho da Medicina Física e de Reabilitação. Mais do que a medicina clássica, em que estabelecemos um diagnóstico e um tratamento correspondente, sensibilizou-me a questão da intervenção na autonomia e na qualidade de vida do doente, indo mais além do diagnóstico, vendo o todo, e procurando intervir de forma holística na condição de saúde.

Quais é que têm sido os maiores desafios do processo de construção de um projeto de investigação de doutoramento?

Um dos principais desafios tem sido investigar em reabilitação. Apesar de ser muito interessante e um tema cada vez mais falado, não está ainda verdadeiramente enraizado na nossa realidade clínica e académica. É algo novo, com metodologia própria, que implica diferenciação. E isso acabou por se tornar um desafio. Depois surgiram também outros desafios, claro, mais relacionados com a organização e com o equilíbrio entre o trabalho assistencial, o trabalho científico e a vida familiar e social.

Como é que a possibilidade de fazer um doutoramento surgir no teu caminho?

Sempre quis saber mais e gosto de procurar respostas. Sempre me inspirou falar com alguém que me pudesse ensinar algo novo. A possibilidade de fazer um doutoramento surgiu neste sentido, durante o internato médico, não era algo definido antes. Surgiu como a oportunidade certa para progredir em termos de conhecimento. E passou também por querer, claro, oferecer cada vez melhor em termos de reabilitação. Sendo uma área em crescimento, tenho gosto em poder dar o meu contributo.

Gostarias de partilhar algumas dicas com os/as estudantes que estão também a desenvolver um projeto de investigação?

Diria que não há atalhos, é um percurso que se vai construindo. Na minha perspetiva, dedicação, empenho e equilíbrio fazem parte da receita certa para se chegar onde se pretende. E garantir também a motivação correta, refletindo sobre o que nos move, para percorrer um caminho desafiante com tranquilidade e conquistas.

Produção e Edição de Conteúdos: Catarina Ribeiro, DCOM e Inês Coelho, DCOM

Fotografia: Paulo Amaral, DCOM

Edição de Imagem: Sara Baptista, NMAR

Publicado a 31.03.2022