/ Como se Desenha uma Investigação

Aprofundar o papel das sinergias no Turismo em prol da superação da experiência turística

O programa doutoral em Turismo, Património e Território da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra (FLUC) tem sido, para Pedro Vaz Serra, uma oportunidade única para consolidar o gosto por uma área com a qual teve contacto ao longo de praticamente toda a sua vida. Com o projeto de doutoramento “A experiência turística no contexto de alojamento em imóveis com valor patrimonial: uma perspetiva de ecossistema de turismo inteligente”, orientado pelas docentes da FLUC, Cláudia Seabra e Ana Caldeira, o estudante de doutoramento da Universidade de Coimbra pretende olhar para a experiência turística de forma holística, considerando as suas várias fases, os seus vários intervenientes e as suas várias partes interessadas, de forma a identificar de que forma se podem potenciar experiências turísticas distintivas, geradoras de mais valor acrescentado.

O que está a investigar no seu projeto de doutoramento?

No âmbito de uma das unidades curriculares que fiz durante a parte letiva do doutoramento, surgiu a oportunidade de conhecer um pouco melhor a realidade associada ao programa REVIVE. O REVIVE é, em traços muito gerais, um programa a partir do qual o Estado concessiona o seu património edificado que, regra geral, está em péssimas condições de conservação, durante, por norma, 50 anos a entidades privadas. É, no fundo, uma forma de renovar o património nacional e colocá-lo ao serviço do turismo e das comunidades residentes.

Tendo em conta esta dinâmica e os vários agentes envolvidos, comecei a pensar na possibilidade de ter o REVIVE como objeto de investigação na tese, até por conta de algumas fragilidades que têm sido apontadas, mas acabei por ser desafiado pelas minhas orientadoras a não reduzir a minha tese à realidade do programa REVIVE. E, assim, surge a hipótese de investigar um bocadinho mais os alojamentos em imóveis com valor patrimonial não circunscritos ao programa REVIVE.

Dentro do alojamento nesta tipologia de imóveis, estamos a centrar a nossa investigação na experiência turística, um conceito que é omnipresente na atividade turística, que, em linhas gerais, diz respeito a todas as impressões que um turista retira da viagem que faz. Para estudar holisticamente a experiência turística, que é o que estamos a fazer neste trabalho de investigação, temos de contemplar as suas diversas fases, que incluem: a antecipação, a viagem para o destino, a atividade no destino, a viagem de regresso à área de residência e a recordação. É muito importante termos noção de que a experiência turística não se esgota num momento. A experiência é um processo que está suportado na sua natureza multifásica e na ação das várias partes interessadas, pelo que deve ser analisada de forma holística. E, neste projeto, vamos realizar o trabalho empírico junto de gestores das unidades de alojamento, de colaboradores de front office, de turistas potenciais, de hóspedes no local e ainda através dos comentários inseridos nas redes sociais de hóspedes que estiveram nessas unidades de alojamento.

Estamos a trabalhar com imóveis que comportam muitas questões, como a sua arquitetura, a sua narrativa histórica, o que representam em termos de memória coletiva, de identidade, a sua transmissão às gerações futuras, ou os significados que aportam às comunidades. Tendo em conta todas as particularidades destes edifícios, achei que seria muito oportuno fazer aqui uma ponte com o presente, mas, sobretudo, com o futuro, através da perspetiva do ecossistema de turismo inteligente.

Convém também explicar que o turismo inteligente apareceu não apenas para colocar a tecnologia ao serviço do turismo, mas nasceu, sobretudo, para ser um condutor da competitividade e da sustentabilidade dos territórios, que responda às necessidades dos turistas, mas também das comunidades residentes. E quando falamos em sustentabilidade, estamos a referir-nos à sustentabilidade económica, que gera emprego, que cria riqueza, mas também à sustentabilidade social e à sustentabilidade ambiental.

É com base na junção destes três conceitos nucleares – experiência turística, alojamento em imóveis de alto valor patrimonial e ecossistema de turismo inteligente – que surge este projeto de investigação, que procura, no fundo, trazer um novo contributo para entender o turismo na atualidade, contribuindo, assim, para que a sua evolução tenha impactos positivos em diversos atores: nos atores sociais (os turistas e as comunidades locais), nos atores económicos envolvidos (unidades de alojamento, agências de viagens, empresas de telecomunicações, empresas de transporte, restauração e outros serviços) e nos atores tecnológicos.

Que contributo pretende deixar este projeto de investigação?

Acreditamos que, uma vez concluída a investigação, estaremos em condições de extrair implicações e formular recomendações, com base nos resultados empíricos, para o design, a comunicação e a facilitação da experiência no alojamento em imóveis com valor patrimonial, no quadro do ecossistema de turismo inteligente, com vista à competitividade e à sustentabilidade de alojamentos e destinos.

Ou seja, procuramos contribuir, aos níveis da ciência e da gestão, para a otimização da experiência turística, geradora de maior valor acrescentado, envolvendo todas as partes interessadas – atores sociais, atores económicos e atores tecnológicos – o que, com base na perspetiva que adotámos, resulta da interação, compromisso e de objetivos partilhados.

Um ecossistema de turismo inteligente oferece, assim, imensas oportunidades de inovação tecnológica e novos modelos de negócios e organizacionais, para além de representar um ambiente extremamente rico na identificação e estudo de novos paradigmas de interação e formas de cocriação de valor.

Ainda assim, a cocriação de valor num ecossistema inteligente vai para além da tecnologia que, embora seja uma componente crítica e assuma diferentes papéis dentro do processo de cocriação de valor, é, em última análise, a conexão entre os atores humanos que é essencial para gerar valor.

Como tem sido o processo de montar todas as peças que compõe este projeto, desde o estado da arte ao trabalho de campo?

Tem sido um caminho muito intenso, mas também profundamente estimulante e gratificante.

Em primeiro lugar, foi absolutamente determinante ter uma perceção do desenho global do trabalho, das suas várias fases, para que pudesse definir os objetivos e subjacente cronograma. Ao nível da revisão da literatura, procurei, desde o primeiro momento, identificar um conjunto relevante de autores, cuja referência é incontornável na abordagem a estes tópicos, e, a partir deles, perceber o que fazia sentido, ou não, acrescentar, para a concretização dos objetivos preconizados.

Esta etapa da revisão da literatura foi crucial para clarificar que contributos poderia este projeto deixar. Por exemplo, foi possível perceber que os estudos até agora efetuados circunscreviam-se a uma das fases da experiência turística e, normalmente, pela perspetiva dos turistas. E, em todos esses estudos, é referido que em estudos futuros deveriam ser tidas em consideração as várias fases da experiência turística, e, em simultâneo, que fossem consideradas mais perspetivas, para além da dos turistas, envolvendo outras partes interessadas nas dinâmicas associadas à experiência turística. E é exatamente a estas recomendações que estamos a tentar corresponder com o nosso modelo de investigação.

O nosso modelo de investigação, no que ao estudo empírico diz respeito, considera abordagens qualitativa e quantitativa, que irão contemplar, muito em breve, a recolha de dados (e posterior análise, de conteúdo e estatística) através da realização de entrevistas a gestores e colaboradores de front office das unidades de alojamento selecionadas, um questionário online a turistas potenciais e um outro a hóspedes, no local, sendo concluído, com o recurso à netnografia, com a análise aos comentários que os hóspedes inseriram na plataforma Booking.com.

Desta forma, teremos as visões da oferta e da procura, nas várias fases inerentes à experiência – ou seja, antecipação, viagem para o destino, atividade no destino, viagem de regresso e, por fim, recordação – e que permitirão responder aos objetivos e questões de investigação.

Portanto, este projeto contempla abordagens quantitativas e qualitativas e vamos fazer análise conteúdo e análise estatística, recorrendo também à netnografia.

E quais são os imóveis com valor patrimonial que está a estudar?

Em 2022, fiz um levantamento das unidades de alojamento em imóveis com valor patrimonial existentes em Portugal. E cheguei à conclusão que existem em Portugal 334 unidades de alojamento a operar em imóveis com valor patrimonial, isto é, a operar em imóveis classificados. Tendo em conta que em Portugal existem, em números redondos, pouco mais de 4 800 empreendimentos turísticos – de referir que o alojamento local não está classificado dentro dos empreendimentos turísticos, tem uma classificação à parte –, as unidades de alojamento em imóveis com valor patrimonial correspondem sensivelmente a 7% dos empreendimentos turísticos existentes em Portugal.

Depois de recolher estes números, procurei caracterizar um pouco mais a oferta de alojamento em imóveis com valor patrimonial em Portugal, e consegui identificar que 65% da oferta nacional está concentrada nas regiões Norte e Centro – 40% no Norte e 25% no Centro. Segue-se o Alentejo, e depois Lisboa, seguida do Algarve. Nos Açores e na Madeira esta tipologia de alojamentos tem pouca expressão.

Com base na caracterização destas unidades, construí uma amostra que fosse representativa desta realidade no nosso país. Estamos a trabalhar sete unidades de alojamento, número que consideramos suficiente pois estão representados imóveis com as características principais desta tipologia de alojamento, nomeadamente hotéis de cinco estrelas, hotéis de quatro estrelas, pousada e também uma unidade de turismo de habitação. As unidades que estamos a trabalhar situam-se nas regiões Norte e Centro, dado que são as regiões que correspondem à maioria da oferta desta tipologia em Portugal.

E quais são os imóveis com valor patrimonial que está a estudar?

Em 2022, fiz um levantamento das unidades de alojamento em imóveis com valor patrimonial existentes em Portugal. E cheguei à conclusão que existem em Portugal 334 unidades de alojamento a operar em imóveis com valor patrimonial, isto é, a operar em imóveis classificados. Tendo em conta que em Portugal existem, em números redondos, pouco mais de 4 800 empreendimentos turísticos – de referir que o alojamento local não está classificado dentro dos empreendimentos turísticos, tem uma classificação à parte –, as unidades de alojamento em imóveis com valor patrimonial correspondem sensivelmente a 7% dos empreendimentos turísticos existentes em Portugal.

Depois de recolher estes números, procurei caracterizar um pouco mais a oferta de alojamento em imóveis com valor patrimonial em Portugal, e consegui identificar que 65% da oferta nacional está concentrada nas regiões Norte e Centro – 40% no Norte e 25% no Centro. Segue-se o Alentejo, e depois Lisboa, seguida do Algarve. Nos Açores e na Madeira esta tipologia de alojamentos tem pouca expressão.

Com base na caracterização destas unidades, construí uma amostra que fosse representativa desta realidade no nosso país. Estamos a trabalhar sete unidades de alojamento, número que consideramos suficiente pois estão representados imóveis com as características principais desta tipologia de alojamento, nomeadamente hotéis de cinco estrelas, hotéis de quatro estrelas, pousada e também uma unidade de turismo de habitação. As unidades que estamos a trabalhar situam-se nas regiões Norte e Centro, dado que são as regiões que correspondem à maioria da oferta desta tipologia em Portugal.

Quais têm sido os maiores desafios do processo de construção do projeto de investigação?

Gostava de começar por destacar que tem sido uma fase muitíssimo intensa, mas, em simultâneo, muitíssimo gratificante e estimulante, como já referi. Encontrei na Universidade de Coimbra docentes e colegas que, em conjunto, criam um ambiente que tem permitido evoluir e concretizar os objetivos. Quanto aos principais desafios, eu diria que há, em traços gerais, três tipos de desafios: os pessoais, os académicos e os funcionais.

Os desafios pessoais passam, principalmente, pela exigência que acarreta uma tese de doutoramento. Por isso, é muito importante a organização, a autodisciplina, a forma como ajustamos o nosso trabalho às nossas características pessoais, a forma como selecionamos aquilo que, de facto, é verdadeiramente importante para o nosso tema de doutoramento. E para manter este foco, considero que é muito importante – pelo menos a minha experiência diz-me isto – contribuirmos, todos os dias, um bocadinho para o nosso trabalho, contribuindo com regularidade para a sua evolução.

Os desafios académicos estão muito ligados aos desafios pessoais, mas vão além deles. E, neste âmbito, um dos grandes desafios passa por definirmos objetivos e métricas que sejam saudavelmente desafiantes e, em simultâneo, concretizáveis. Devemos lembrar-nos que, quando definimos objetivos que não são concretizáveis, rapidamente entramos num período de descrença relativamente ao trabalho que estamos a conduzir. A minha experiência diz-me também que, além da escrita da tese de doutoramento, devemos publicar artigos em revistas científicas e apresentar comunicações em congressos e outros eventos científicos, nacionais e internacionais. Estas duas ações vão ajudar-nos a validar o nosso trabalho; a colher novas informações, além daquelas que são partilhadas pela orientação científica, que são muito importantes para a evolução do nosso trabalho; e a criar novas pontes, ao transmitir a nossa pesquisa a vários públicos, nomeadamente a outros investigadores.

Por fim, temos os objetivos funcionais que estão relacionados maioritariamente com o trabalho empírico, como a marcação de entrevistas ou a disseminação dos questionários. Nestes casos, o trabalho depende sempre de muitos interlocutores, que, muitas vezes, não conhecemos de antemão e precisamos de criar uma boa ligação em prol da evolução do nosso trabalho. E devemos ter sempre em mente estas sinergias que precisamos de criar para o sucesso da tese.

Como é que a possibilidade de fazer um doutoramento surgiu no seu caminho?

Quando saí do ensino superior, o meu primeiro emprego – já lá vão bastantes anos – foi precisamente numa empresa ligada ao Turismo, mais concretamente na área do desenvolvimento de novos negócios. Gostei muito desta experiência.

Depois, passei vários anos nos sectores financeiro e empresarial e, quer num lado, quer noutro voltei a ter muitos contactos na área do turismo. A determinada altura, achei que estavam reunidas as condições para regressar à vida académica a 100%, isto porque sempre mantive ligação ao ensino superior, como na altura em que fiz mestrado e algumas pós-graduações. E foi em 2020 que comecei a pensar seriamente em fazer doutoramento. Pesquisei vários programas doutorais na área do Turismo e acabei por escolher a Universidade de Coimbra. Efetuei a candidatura e, a partir daí, tudo correu muitíssimo bem, felizmente.

A escolha de me doutorar na área do Turismo resulta de uma mistura entre paixão, entrega, determinação, necessidade de realização pessoal também nesta área académica, e necessidade de ter um novo desafio.

Gostaria de partilhar algumas dicas com os/as estudantes que estão também a desenvolver um projeto de investigação?

Gostei muito da palavra que utilizou – partilhar – porque acho que quando iniciamos um processo com estas características, e quando nos envolvemos seriamente no meio académico, a partilha é essencial. E não me refiro apenas à partilha de conhecimento, mas também à partilha de oportunidades para a publicação de artigos conjuntos ou para a integração em grupos de investigação, dentro e fora da instituição onde estamos a frequentar o doutoramento. É muito importante fazer parte de uma comunidade académica que comunica entre si e que comunica com o exterior. E uma pessoa que não comunica com o exterior, mesmo que elabore um excelente trabalho, é uma pessoa com uma perspetiva mais redutora daquilo que pode e deve ser a vida académica. Para mim, a partilha é, de facto, muito importante. E para dar um exemplo da relevância da partilha, posso referir que estou a realizar dois trabalhos com pessoas que pura e simplesmente não conhecia de lado nenhum e que conheci em congressos. São pessoas com quem partilhei painéis em conferências e, a partir daí, estabelecemos contacto e estamos a produzir dois trabalhos.

Além desta franca aposta na partilha, nas várias dimensões que mencionei, sublinharia também a importância de estarmos absolutamente focados no desenvolvimento da nossa tese. Para que se cumpram os prazos e para que se cumpram os objetivos é indispensável que haja foco. Uma tese de doutoramento não deve ser um fardo, é algo que devemos fazer com prazer e, ao mesmo tempo, de uma forma divertida, no sentido em que nos pode proporcionar bem-estar por ser algo que estamos a fazer por gosto.

Não posso terminar sem destacar outro aspeto que me parece muito importante: nunca perder a noção de que, para além da intensidade do trabalho e das responsabilidades que assumimos quando nos propomos a escrever uma tese de doutoramento, devemos procurar manter, todos os dias, o equilíbrio entre a nossa vida académica e a nossa vida pessoal. E a vida pessoal não diz apenas respeito à vida em família, mas também ao convívio com amigos, à prática de atividade física, tudo aquilo que, no fundo, contribui para a nossa qualidade de vida e bem-estar. Esta preocupação com a esfera pessoal é fundamental para reunirmos as condições para que o trabalho na vida académica seja produtivo e para que o encaremos de uma forma positiva.

Produção e Edição de Conteúdos: Ana Bartolomeu, DCOM, Catarina Ribeiro, DCOM e Inês Coelho, DCOM

Fotografia: Paulo Amaral, DCOM

Edição de Imagem: Sara Baptista, NMAR

Publicado a 28.09.2023