/ Caminhos na UC

Episódio #58 com Marco Pereira

As pessoas como a força motriz de um percurso de quase 30 anos na Universidade de Coimbra

Publicado a 29.05.2024

Em 1997, trocou Anadia por Coimbra para frequentar a licenciatura em Psicologia, na Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC). Na altura, os interesses de Marco Pereira eram vários – da Medicina à Arquitetura, passando pelo Design –, mas foi na área da Psicologia que fez o seu percurso académico no ensino superior. Apesar das angústias de abandonar, em termos académicos, áreas das quais tanto gostava, hoje reconhece que foi uma opção feliz. Escolheu a Universidade de Coimbra (UC) como o seu ponto de partida, casa onde permanece até hoje. Para o atual subdiretor da FPCEUC, que é também docente e investigador da mesma faculdade, as pessoas têm sido o ponto mais marcante do seu percurso, pois foram elas – estudantes, docentes, investigadores e pessoal técnico – que o fizeram permanecer na UC.

Quando e como começou o seu percurso na UC?

O meu percurso na Universidade de Coimbra começou em 1997, quando entrei na licenciatura em Psicologia e praticamente todo o meu percurso académico foi feito na UC.

Não consigo precisar com exatidão o que me trouxe a Coimbra, embora, curiosamente, todas as minhas opções para ingresso no ensino superior tenham sido em Coimbra. Mas sei perfeitamente as razões que me fizeram permanecer em Coimbra. No último ano de licenciatura, ainda enquanto estudante, tive a oportunidade de participar num projeto de investigação na área da prematuridade, que estava em curso na Maternidade Daniel de Matos, pelas mãos da professora Cristina Canavarro. E este projeto permitiu-me entrar em contacto com a área da maternidade e da saúde perinatal e acabou por ser a área em que iniciei a minha investigação e atividade clínica, mais concretamente em articulação com a consulta de obstetrícia infeciosas e no trabalho com grávidas seropositivas, com o Vírus da Imunodeficiência Humana (VIH).

Este trabalho esteve também na base do Mestrado em Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (SIDA): da Prevenção à Terapêutica que fiz, que era um mestrado que existia na altura entre a Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação e a Faculdade de Medicina da UC. E seguiu-se o doutoramento na área da Psicologia da Saúde. Tudo isto foi sendo feito em sequência na Universidade de Coimbra.

Depois do doutoramento, concorri a uma bolsa de pós-doutoramento da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), que nesse ano introduziu uma penalização para quem concorresse a uma bolsa na mesma instituição onde já se encontrava (não me recordo do motivo concreto, mas talvez tenha sido para promover a redução da endogamia e a mobilidade dos investigadores). Mas a minha opção foi permanecer na Universidade de Coimbra e fui bem-sucedido, apesar da penalização.

Por que escolheu formar-se em Psicologia?

Não é uma pergunta fácil de responder e garantidamente não tenho uma resposta de que foi a vocação de uma vida. Desde sempre tive interesses muito variados, e, aparentemente, nem sempre muito compatíveis, mas que ainda hoje permanecem na minha vida.

Um dos meus interesses era a área da Saúde, e talvez por isso tenha escolhido Medicina como primeira opção, com o objetivo de seguir o caminho da Medicina Legal. Acabou por não se proporcionar e acho que ainda bem! Hoje tenho esse entendimento.

Também sempre gostei muito das áreas de Arquitetura, do Design, da Estética. E talvez a decisão mais difícil tenha sido deixar estas áreas para trás no ensino secundário, quando tive de escolher a área a seguir. Apesar disso, ainda estão muito presentes na minha vida, por exemplo na escolha dos locais e roteiros de viagem; nos PowerPoints das minhas aulas, que são todos personalizados e feitos por mim; e em muitas outras coisas.

E sempre tive muito interesse pelas relações entre pessoas, pela forma como as pessoas funcionavam, se comportavam e se relacionavam. Gostava de compreender estas dimensões e a Psicologia era uma opção importante para compreender as pessoas e as suas relações, em particular a Psicologia Clínica, área que foi a minha primeira e única opção quando ingressei no curso.

Quando iniciei a investigação, foi também este o tema central: as pessoas e as suas relações. Em particular, tenho dedicado muitos anos de investigação ao contexto das relações amorosas. E, portanto, muito daquilo que eu faço está em torno do contexto interpessoal. E não há melhor área para compreender as pessoas e como estas funcionam do que a Psicologia.

Além da docência e da investigação, é também subdiretor da FPCEUC e coordenador do Doutoramento em Psicologia. Como é que surgiu a oportunidade de desempenhar também cargos de gestão?

O meu percurso inicial na Universidade de Coimbra foi sempre na investigação, mas teve sempre presente as funções de docente, ainda que de forma mais pontual no início do meu percurso profissional, mas regular ao longo do tempo. E sempre fui tendo alguma noção de como funcionavam a FPCEUC e a UC, também por alguma influência da equipa em que estava inserido, que era coordenada pela professora Cristina Canavarro.

Este contacto começa de forma mais evidente quando fui eleito para o Conselho Científico da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação por dois mandatos, em representação do Centro de Investigação em Neuropsicologia e Intervenção Cognitivo-Comportamental (CINEICC), que é a nossa unidade de investigação. E, ao estar neste órgão de gestão da Faculdade, fui percebendo muito melhor a orgânica da FPCEUC e a sua relação com a estrutura mais macro, neste caso, a Universidade de Coimbra.

Com a entrada na carreira docente, houve alguém – a professora Paula Paixão, atual diretora da FPCEUC – que entendeu que podia ter as competências necessárias para exercer as funções de subdiretor para a área da investigação. Pelo meu percurso na UC e das pessoas que dele têm feito parte, e pelo reconhecimento que tenho pela professora Paula Paixão, não tinha como dizer que não a esta proposta de integrar a direção da FPCEUC.

Como é que desempenha todas estas funções em simultâneo?

Sou muito disciplinado e tento organizar sempre os meus dias para que exista a separação entre a vida pessoal e a vida profissional.

No âmbito destes cargos de gestão, tem marcado presença em eventos destinados ao público pré-universitário. O que procuram saber os jovens hoje em dia para preparar o ingresso no ensino superior?

A minha experiência diz-me que há alguns estudantes que já têm uma decisão tomada sobre o que querem estudar no ensino superior. Muitas vezes, as perguntas desses e dessas jovens – que já sabem que vão ter média para ingressar no curso – são muito orientadas para os mestrados, para o que podem fazer a seguir à licenciatura.

Mas a grande maioria não sabe ainda o que quer seguir, e estão nestas feiras para explorar: querem saber mais sobre os cursos, as saídas profissionais e a vida académica. Para dar respostas a todas estas questões, sobretudo sobre a vida académica, o apoio dos núcleos de estudantes é fundamental.

Temos também estudantes que têm ideias de possíveis áreas que gostariam de seguir, e que, por norma, colocam questões sobre as condições de acesso, os exames necessários e a nota dos últimos colocados, que é talvez a questão que mais fazem. E esta questão da nota é muito importante e pode também ser difícil de gerir. Por exemplo, em alguns destes jovens a expressão facial muda radicalmente quando percebem que a nota do último colocado é muito mais alta do que esperavam. Perante isto, é muito importante termos a noção do que vamos dizer-lhes naquele momento, para que não se torne uma experiência menos positiva ou de desvalorização do seu percurso. Acho que é importante termos algumas palavras de reforço positivo nestes momentos para que não desistam e não se sintam desvalorizados.

Relativamente à minha experiência nestes eventos, tem sido muito boa e, certamente, para repetir. Acho que são momentos de contacto que fazem falta e que são muito importantes para esta população. E é muito engraçado ver os mesmos rostos que encontrei nestes eventos – como a Futurália ou a Semana Aberta da UC – na receção aos novos estudantes aqui na Faculdade. Significa que a sua escolha se concretizou.

O que é que os estudantes que hoje em dia ingressam em Psicologia querem estudar?

A experiência que tenho tido nas feiras dos pré-universitários tem mostrado que há uma procura muito grande pela área da Psicologia Forense. Acho que as temporadas sucessivas de CSI têm alguma influência naquilo que procuram. Tem sido uma constante na procura por parte dos estudantes.

O que mais marcou o seu percurso na UC até ao momento?

Não consigo precisar um momento, mas antes o que me tem marcado mais em termos de percurso: as pessoas. Do ponto de vista da investigação e da docência tenho tido ótimas experiências: tenho-me cruzado com ótimos estudantes, daqueles que ficam na memória, tenho tido também algum reconhecimento em alguns contextos. Apesar de tudo isto, os principais marcadores do meu percurso são as pessoas: as amizades que permanecem desde a entrada no ensino superior, as pessoas com quem tenho trabalhado ao longo destes anos e as lideranças femininas muito fortes das equipas nas quais tenho estado inserido. Refiro-me às professoras Cristina Canavarro e Paula Paixão que, para mim, são claramente modelos a seguir. Em suma, o meu percurso na UC ficará sempre marcado por várias pessoas, em vários momentos, algumas delas permanentemente comigo ao longo destes 27 anos na Universidade de Coimbra.

Que mensagem gostaria de deixar à comunidade UC?

As universidades têm-se assumido cada vez mais como comunidades abertas e inclusivas, preocupadas com questões relacionadas com cidadania, direitos humanos, diversidade, igualdade, inclusão. E isso é muito importante, porque coloca a tónica nas pessoas, e devem ser estes os marcadores que orientam o nosso dia a dia.

Ao mesmo tempo, vivemos numa era profundamente tecnológica – com todas a vantagens que a tecnologia oferece –, com uma evolução mais galopante da inteligência artificial nos mais variados contextos. Nada disto é errado, mas nunca podemos esquecer que os ativos mais importantes das universidades continuam a ser as pessoas.

Nunca podemos esquecer que, do outro lado das plataformas superinovadoras, continuam a estar pessoas. As universidades têm também a função de cuidar das pessoas, para que não sejam absorvidas por esta dimensão tecnológica. Se os fluxos de comunicação continuarem sempre a funcionar de uma forma muito mediatizada corremos o risco de perder a nossa humanidade e alguma preocupação mais genuína com a dimensão da relação humana.

A minha mensagem seria então esta: que se continue a cultivar a humanidade, o humanismo, as relações humanas, e que este Património Mundial da Humanidade que é a Universidade de Coimbra não seja apenas o edificado.

Assista ao vídeo desta entrevista:

Produção e Edição de Conteúdos: Ana Bartolomeu, DCOM; Catarina Ribeiro, DCOM e Inês Coelho, DCOM

Imagem e Edição de Vídeo: Ana Bartolomeu, DCOM e Marta Costa, DCOM

Edição de Imagem: Sara Baptista, NMAR